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PORTUGAL E A HISTÓRIA DA EVANGELIZAÇÃO!

Portugal levou o cristianismo ao Sri Lanka, que papa Francisco vai visitar

O papa Francisco inicia esta terça-feira uma visita ao Sri Lanka, primeira etapa de uma viagem à Ásia que até 19 de janeiro o levará igualmente às Filipinas.
Com quase 21,5 milhões de habitantes, o antigo Ceilão tem hoje maioria budista (cerca de 70% da população), enquanto que os cristãos serão pouco mais de 6%.
O cristianismo começou a consolidar-se com a chegada dos portugueses.
 
Ceilão
Silvana Remédio Pires - In Dicionário de História Religiosa de Portugal
A antiga Taprobana, situada em frente à extremidade sueste da península indostânica, foi inspiradora de inúmeras efabulações que povoaram o imaginário medieval, algumas delas relacionadas com a introdução do cristianismo na ilha.
Uma das mais populares conta-nos como uma sibila, de nome Indica, sabendo do nascimento de Cristo, instigou um rei de Ceilão, Gaspar Peria Perumal, a viajar até Mascate, para se juntar a outros dois reis que iam a Belém adorar o Menino. À vinda, o pretenso rei mago teria trazido um retábulo com a Nossa Senhora, mais tarde colocado na sepultura daquela sibila.
Na origem desta lenda está uma confusão feita com o nome Kolum (i.e. Kollam ou Coulão), sede de um bispa­do do Malabar conhecido na sua forma latina como Columbum, o que o associou erradamente a Colombo, em Ceilão. Quanto ao rei, pensa-se que se tratava do lendário Cheraman Perumal, do Malabar, que, segundo uma lenda muçulmana, se teria convertido ao islamismo por volta de 822, e é também célebre em versões hindus e cristãs da lenda.
Alguns autores defendem que o cristianismo foi levado para a ilha por S. Tomé ou por S. Bartolomeu, a quem a tradição patrística atribui a primeira evangelização da Índia. Outros, baseando-se em Sofrónio de Jerusalém (560-638), sustentam que teria sido pelo etíope que S. Filipe converteu, referido nos Atos dos Apóstolos, um eunuco e alto funcionário da rainha Candace.
Apesar dos bons auspícios que estas lendas encerravam, a verdade é que não há rastos de nenhuma comunidade cristã cingalesa no século II ou III. A referência mais antiga à presença de cristãos em Ceilão data de 535, e deve-se a Cosme Indicopleustes. Segundo o mercador alexandrino, a comunidade era constituída maioritariamente por persas que ali moravam, com um presbítero ordenado na Pérsia e um diácono. Não obstante, é uma notícia isolada e, chegados ao século XlV, não se lhes encontra quaisquer alusões nos relatos de viajantes como Marco Polo, Marignolli ou Frei Odorico de Pordenone.
Desde o tempo do imperador indiano Axoka (272-232 a. C.) que a ilha se tinha convertido ao budismo e assim se manteve ao longo dos séculos, com exceção para alguns focos hindus como o reino de Jaffna, a norte, que incluía a ilha de Manar, devido à sua ligação cultural e politica com o império dos Cholas e, mais tarde, com o reino de Vijayanagar.
Só a partir da chegada dos Portugueses se deu um encontro consequente entre a Cristandade e a civilização cingalesa. Nos primórdios de Quinhentos, a ilha de Ceilão encontrava-se dividida em três reinos autónomos: o reino de Jaffna, o reino de Kandy, ou Cândia, nas montanhas centrais, e o reino de Kotte, a sul, que se desdobraria, em 1521, dando origem ao aparecimento de mais uma força política, o reino de Sitawaka.
Em 1506, algumas naus lusas, comandadas por D. Lourenço de Almeida, filho do vice-rei D. Francisco de Almeida, depois de uma investida nas costas das Maldivas, com o propósito de intercetar o tráfego de navios mouros, viram-se arrastadas até ao porto de Gale, no reino de Kotte, afamado pela sua primazia no trato da canela e das pedras preciosas. Neste primeiro encontro, foi erigida uma pequena capela na capital, Colombo, em honra de São Lourenço, onde se celebrou uma missa presidida por Frei Vicente.
A partir de então, em todos os tratados de amizade e comércio que se ratificaram entre a coroa portuguesa e os reinos locais figurava uma cláusula que assegurava a liberdade para evangelizar o povo cingalês. Contudo, a missionação portuguesa, aqui como em todo o Oriente, só se tomaria sistemática na década de 1540.
Entre 1515 e 1534 Ceilão pertence à diocese do Funchal, passando então à diocese de Goa até 1557, data em que é erigida aquela que será a sua futura diocese até 1836, Cochim.
Os primeiros anos da presença portuguesa na ilha foram muito pouco significativos no que respeita à evangelização. O projeto de construir uma fortaleza em Ceilão, que consta já das instruções de D. Manuel a D. Francisco de Almeida, foi sendo adiado, para se vir a concretizar apenas em 1518; mas logo em 1524 foi a fortaleza de Colombo desmantelada por parecer inconveniente.
A fortaleza foi, entretanto, um espaço de comércio e de missão, uma vez que, como acontecia um pouco por toda a parte, estava provida de um capelão e alguns clérigos, cujo sustento era assegurado pelo Estado.
O primeiro vigário de Ceilão foi o padre Luís Monteiro de Setúbal, que ali viria a ser enterrado em 1536. Além do cuidado espiritual dispensado aos cristãos da guarnição da fortaleza, é provável que aqueles clérigos tentassem algumas incursões apostólicas nas terras vizinhas, a fim de catequizarem os infiéis que espontaneamente se sentissem atraídos pela nova doutrina que lhes era apresentada.
Em carta de 5 de Março de 1521 D. Manuel lembrava ao capitão da fortaleza a sua responsabilidade em fomentar a dilatação da fé. D. João III, em alvará de 4 de Março de 1533, dispunha que, em todas as fortalezas e feitorias, os escravos que, com verdadeira sinceridade, se fizessem cristãos ficariam livres da escravidão.
Sabe-se que o alvará joanino produziu os seus efeitos, que redundariam numa série de abusos de que se queixava o rei de Kotte, Bhuvaneka Bahu. De facto, muitos dos naturais que se convertiam eram antigos escravos que, conseguida a almejada liberdade, deixavam de pagar os direitos senhoriais e reais a que estavam obrigados, o que provocava uma certa animosidade contra os missionários, apenas refreada por necessidades impostas pela conjuntura interna na ilha desde finais da década de 1530.
A partir de 1539, Bhuvaneka Bahu viu, de facto, nos portugueses os aliados de que precisava para travar as ofensivas de Mayadunne, rei de Sitawaka, sobre os seus domínios e para ver reconhecido o seu neto Dharmapala como legítimo sucessor do seu trono.
Entretanto, um franciscano, que se encontrava na sua corte, Frei Henrique, aconselhou-o a pedir a Portugal missionários para Ceilão, pois o clero era insuficiente para o número de convertidos; Bhuvaneka Bahu aproveitou esta sugestão, com o fito de mais facilmente atrair o apoio da coroa portuguesa à sua causa, no que foi bem sucedido.
Em 1543, a embaixada que enviara a D. João III regressava a Colombo acompanhada de sete franciscanos, à frente dos quais vinha Frei João da Vila do Conde, franciscano capucho da Província da Piedade, com as seguintes disposições da parte de D. João III:
Dharmapala era reconhecido como herdeiro de Kotte e os recém-convertidos continuariam sujeitos à jurisdição local. Bhuvaneka Bahu acolheu muito bem estas notícias, dando plena liberdade de pregação aos missionários franciscanos, mas, contrariando as expectativas trazidas por aquela embaixada, mostrou-se claramente adverso à ideia de se batizar.
De qualquer forma, incumbiu Frei João da educação do seu neto e, talvez movido pelas ameaças constantes de Mayadunne, que tomavam premente o auxílio português, procurou continuar a conquistar a sua benevolência através de um explícito favorecimento dos convertidos ao cristianismo, permitindo-lhes, por exemplo, que retivessem os bens transmitidos em herança, mesmo os de doação régia precária, que pela lei geral do reino deveriam voltar às mãos do rei.
Perante tal clima de tolerância, as missões cristãs foram crescendo e construíram-se igrejas em Colombo, Negumbo, Gale, Lycão, etc. Em 1557, a conversão de Dharmapala (1551-1597), o neto de Bhuvaneka e seu sucessor, que passou a chamar-se D. João, arrastou consigo quase toda a corte, o que foi muito motivador para os demais súbditos.
Entretanto, outros senhores de Ceilão equacionavam a conveniência de terem os portugueses como aliados militares contra o avanço das forças de Mayadunne. No reino de Kandy, o soberano facilitava a penetração dos franciscanos e disponibilizava-lhes terreno para a construção de uma igreja e de uma residência.
A manifesta receptividade do rei Jayavira para com o cristianismo teve como corolário o seu batismo sob o nome de D. Manuel, em 1546; mais tarde, porém, viria a apostatar, desiludido com a diminuta ajuda que lhe prestara a milícia portuguesa. O seu filho, que tomou o nome de Jayavara II, reencetou boas relações com os missionários, vindo a pedir o batismo a Frei Pascoal, provavelmente na década de 1550, no que foi seguido por vários senhores do seu reino, que passou a ser marcadamente pró-português.
No caso do reino de Jaffua, a iniciativa de uma aproximação à fé cristã não partiu da hierarquia política. Desta feita, foram os pescadores da ilha de Manar que, seduzidos com o que se falava acerca de São Francisco Xavier e dos prodígios que lhe imputavam aquando da sua pregação aos paravás da costa da Pescaria, requereram a presença do santo para os doutrinar também a eles.
Impossibilitado de ali acorrer por se encontrar ocupado com a cristandade de Travancor, Xavier enviou em novembro de 1544 um seu companheiro que converteu toda a casta dos careás de Manar. O rei hindu Sankily (1519-1561), tomando este acontecimento como um golpe infligido à sua autoridade, ordenou o extermínio dos cerca de 700 batizados.
O efeito foi contraproducente: sensibilizados com o martírio coletivo que acabavam de testemunhar, muitos parentes do rei de Jaffna aderiram ao cristianismo. Apenas o reino de Sitawaka continuava a ser completamente impermeável ao Evangelho. Mayadunne arvorava o budismo como estandarte nacional congregador dos seus súbditos e como chamariz às populações dos reinos vizinhos que não aderiam à doutrina anunciada pelos missionários.
Nos finais do século XVI, começava uma nova fase para as missões portuguesas, sob os bons augúrios vindos de Kotte e de Jaffua. Em 1580, depois de suportar durante quase dois anos um cerco infligido por Raju, filho de Mayadunne, o rei de Kotte doava os direitos de soberania do reino de Kotte à coroa portuguesa. Em 1597, à morte de D. João Dharmapala, aquele reino era-lhe definitivamente legado pelo seu testamento.
Quanto ao reino de Jaffua, a partir de 1560, terminadas as hostilidades de Sankily, iniciou-se um período de alguma paz. Aquela região estava ordenada por paróquias, cada uma com uma residência destinada ao padre franciscano que a servia e, caso se justificasse, com uma capela-escola. Foram talvez esses bons auspícios que atraíram outras ordens religiosas.
Desde 1560 os franciscanos ombreiam em Manar com os jesuítas. Em 1578, os agostinhos estabeleceram um pequeno convento em Colombo, onde serviam a população depauperada dos arredores, o que lhes exigia um esforço financeiro por vezes difícil de suportar.
Nesta cidade a missão dos jesuítas começou por volta de 1602, vindo a construir-se o primeiro colégio em 1605; parece que aí estiveram os filhos do rei de Uva e do rei das Sete Corlas. Em Jaffua, a companhia teve uma missão entre 1623 e 1640.
Dos frades dominicanos, conhecem-se residências em Colombo, Jaffna e Gale, em 1627. Conhece-se a existência de um padre dominicano natural de Ceilão; sabe-se também de um padre de Malaca e de três indianos, seculares, que trabalhavam com os jesuítas.
Apesar dos progressos conseguidos, os missionários portugueses, para além da postura hostil dos monges budistas, tiveram de contar com novos adversários, quando o século XVII trouxe consigo os primeiros holandeses.
Em Maio de 1602 aportava em Baticaloa, no reino de Kandy, Joris Van Spilbergen, um enviado de Maurício de Nassau, que foi recebido com grande entusiasmo por Wimala Dharma, que desde então se tomou inimigo dos portugueses.
Em 1614, o rei de Kandy proibiu a construção de edifícios eclesiásticos para os missionários católicos. A pouco e pouco a perseguição aos católicos começou a ter forma de lei. Num tratado assinado em 1638 entre Holandeses e Rajasinha II (1635-1687), rei de Kandy, uma das cláusulas proibia a admissão de clero católico romano, acusado de induzir o povo a desmandos contra as autoridades locais.
Perante a crescente intolerância religiosa, foi ganhando força a resistência católica que prefere agora o interior da ilha, nomeadamente o reino de Kandy, onde Rajasinha II, desiludido com os holandeses, volta a acolher os portugueses.
Entre 1638 e 1658, os holandeses vão-se apoderando das posições portuguesas da ilha. Este avanço holandês faz-se acompanhar de toda a espécie de interditos, de que se pode destacar o de 19 de setembro de 1658, que proibia, sob pena de morte, que se albergassem ou ocultassem sacerdotes católicos. Mesmo assim, o empenho posto na protestantização da ilha não conseguia superar a influência do clero católico que, em segredo, continuava o seu apostolado.
O exemplo mais notável é o do Beato José Vaz (1651-1711), um padre goês, fundador da Congregação do Oratório de São Filipe de Néri, em Goa, que se fez passar por escravo para poder entrar em Ceilão, onde teve por costume visitar as casas católicas, a fim de assegurar o acesso aos sacramentos. Em 1694, chegou a conseguir permissão da parte do rei de Kandy para reconstruir as igrejas católicas nos arredores da cidade. Além disso, com o seu zelo missionário, restaurou a antiga pujança da cristandade de Jaffua e de Manar. Até 1711, quando veio a falecer, converteu cerca de 30 000 cingaleses.
Ao longo do século XVIII, as repetidas proibições aplicadas à administração dos sacramentos católicos fazem crer que o Beato José Vaz deixou continuadores na ilha. A testemunhar a vivacidade de algumas comunidades católicas temos o exemplo da reacção protagonizada pelos crentes de Negumbo que, em 1750, se insurgiam contra o programa governamental de educação protestante para todas as crianças.
Mas se o catolicismo não desapareceu da ilha, a sua evolução posterior nada deve já aos missionários portugueses.
 
Publicado em 11.01.2015 
Fonte : Pastoral e Cultura       
 

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