1. Jesus existiu?
Sim. A sua historicidade é comummente admitida. Se o Novo Testamento e os escritos dos primeiros Padres da Igreja constituem o material mais abundante para os historiadores, estes apoiam-se também nos testemunhos de autores profanos. Nas "Antiguidades judaicas", o historiador judeu Flávio Josefo (que morreu cerca do ano 100) alude a Jesus no âmbito do processo de Tiago, «irmão de Jesus, chamado o Cristo».
Arquivista na corte do imperador Adriano, Suetónio evoca em "As vidas dos doze césares" «judeus que não cessavam de perturbar a cidade (Roma) por causa de um certo "Christus"». Tácito, outro historiador romano, descreve o incêndio que destruiu Roma em 64, causado, segundo o imperador Nero, pelos cristãos: «Este nome de cristão vem-lhes do nome de Cristo, que foi condenado no reino de Tibério, pelo procurador Pôncio Pilatos (...)».
Encontram-se outras alusões a Cristo e aos seus seguidores no governador Plínio, o Jovem (61-114), no filósofo romano Celso (séc. II) e também no Talmude de Babilónia, que reteve por escrito, no séc. IV, toda a tradição judaica oral: «Na véspera da Páscoa, suspendeu-se Yeshu (...)».
Esta acumulação de testemunhos judaicos e romanos, insuspeitos de simpatias, e até mesmo hostis ao cristianismo, sustenta a convicção dos cientistas quanto à existência histórica de Jesus.
2. Os Evangelhos são "fiáveis"?
Sim. «Mas na condição de os analisar com critérios históricos», sublinha Jean-Christian Petitfils, autor de "Jesus", obra que procura esboçar o seu retrato histórico a partir dos recursos da ciência. Com efeito, os Evangelhos apresentam entre si importantes diferenças.
O fio cronológico de Lucas, Marcos e Mateus, por exemplo, não segue o de João. Os primeiros obedecem a um plano linear: a pregação de João Batista, o batismo de Jesus, a pregação na Galileia durante um ano, a subida a Jerusalém, a crucificação e ressurreição; João, por seu lado, refere várias idas e regressos de Jerusalém e a pregação de Jesus dura três anos.
«Os textos de Lucas, Marcos e Mateus foram, na verdade, redigidos por vários autores e relatam a vida de Jesus com um fim didático», sustenta Petitfils. «João, testemunha ocular direta dos acontecimentos, surge como o mais fiável aos olhos dos historiadores.»
Recentemente, descobertas arqueológicas vieram corroborar a existência de personagens e práticas citadas nos Evangelhos. A base de uma estátua com os nomes de Tibério e Pôncio Pilatos foi exumada em Cesareia, atual Israel, em 1961.
«É o primeiro documento epigráfico que diz respeito ao que os cristãos consideram uma referência história maior porque o seu nome é o único mencionado no Credo - "crucificado sob Pôncio Pilatos"», destaca o teólogo Michel Quesnel. Foram também descobertos numerosos túmulos semelhantes ao de Jesus, segundo a descrição dos Evangelhos, escavados em encostas e fechados com uma pedra rolada até à entrada; o corpo envolvido em pano e deposto num leito de pedra.
Jean-Christian Petitfils sublinha também que «numa sociedade em que os textos sagrados se transmitiam oralmente, as técnicas de memorização rabínicas eram suficientemente eficazes para que se possa creditar os Evangelhos com um alto grau de fidelidade».
3. Jesus nasceu no ano zero?
Não. Em primeiro lugar porque a contagem dos anos a partir do nascimento de Cristo não comporta um ano zero. Depois porque o monge Denys le Petit (que morreu em 545), a quem se deve o calendário, errou nos cálculos.
Ao definir o nascimento de Jesus no ano 753 da fundação de Roma, entra em contradição com o que é referido por Lucas e Mateus, que situam a natividade durante o reino de Herodes, o Grande, morto em 750 - ou seja, três anos mais cedo.
«Se se considerar que os seus pais só poderiam fugir para o Egito, para escapar à repressão de Herodes, quando Jesus tivesse alguns meses, senão mesmo alguns anos, o seu nascimento remonta ao ano 5 ou 6 da nossa era», explica Michel Quesnel.
Historiadores há que colocam a hipótese do ano 7 a.C., apoiando-se em cálculos astrológicos para explicar a aparição de uma grande estrela na noite do nascimento.
4. Jesus tinha irmãos e irmãs?
Quatro homens são designados como os «irmãos de Jesus» no Novo Testamento: Tiago, o mais conhecido, que se tornará chefe da Igreja de Jerusalém nos anos 50, José, Simão e Judas.
Os seus nomes são citados duas vezes nos Evangelhos: Marcos 6, 3 e Mateus 13, 55. Quanto às «irmãs» de Jesus, os textos nada dizem.
Há três explicações, sintetiza Michel Quesnel. Primeira hipótese: tratar-se-iam de filhos que José e Maria teriam tido após Jesus. Defendida por Helvidius, no séc. IV, é contrariada por uma passagem de Marcos que narra a presença, aos pés da cruz, de «Maria, mãe de Tiago Menor e de José» (15, 40).
Marcos apresenta estes personagens como os «irmãos» de Jesus. Mas para os exegetas, se Tiago e José tivessem nascido da mesma mãe de Jesus, o evangelista teria simplesmente escrito: «Maria, a mãe de Jesus». Tratar-se-ia de outra Maria que não a mãe do Crucificado.
Segunda teoria: os irmãos e irmãs de Jesus designariam parentes próximos. Fortemente defendida no seu tempo por S. Jerónimo, foi sempre a privilegiada pela Igreja católica. O termo "anepsios" remete para o substrato aramaico "hâ", que significa sobrinho, primo, membro de uma mesma família ou de um mesmo clã.
«Na Palestina, naquele tempo, todos eram "irmãos", um pouco como numa aldeia africana», explica Jean-Christian Petitfils.
Por outro lado, antes de morrer na cruz, Jesus confia a sua mãe a João - um dos seus discípulos; se houvesse irmãos ou irmãs de sangue, seria a eles que o cuidado de Maria seria entregue.
Terceira hipótese: os «irmãos» e «irmãs» de Jesus designariam os filhos que José teria de um primeiro casamento. «Várias tradições apócrifas apresentam José como idoso quando toma Maria por esposa», lembra Michel Quesnel. O que a iconografia confirma ao representar José como homem maduro, até envelhecido, ajoelhado diante do presépio.
Esta interpretação goza do favor das Igrejas cristãs orientais.
5. Jesus era um rabi como os outros?
Não. Se Jesus era espiritualmente próximo dos fariseus, uma das três correntes dominantes do pensamento judaico do primeiro século, a sua atitude transgride todas as convenções estabelecidas.
A começar pela maneira de utilizar as «parábolas» - narrativas imagéticas extraídas da vida quotidiana - para apresentar o seu ensinamento moral e religioso. «À exceção de alguns casos no Antigo Testamento, esta forma de expressão não se tinha espalhado. A sua utilização fazia de Jesus um rabi (mestre) inovador aos olhos dos seus contemporâneos», assinala Michel Quesnel.
Os fariseus falavam já da ressurreição e do amor ao próximo. Mas Jesus retoma a mensagem e vai muito mais longe. «Eis alguém que pede, pela primeira vez, para amar os inimigos», realça Jean-Christian Petitfils.
Diferentemente dos profetas que o precederam, Jesus apresenta-se como o Reino que anuncia: «Eu sou o caminho, a verdade e a vida» (João 14, 6).
A sua autoridade extraordinária assombra as multidões e escandaliza os meios sacerdotais. «Moisés disse-vos... Mas Eu digo-vos...», insiste publicamente o carpinteiro de Nazaré. Outra transgressão inconcebível aos olhos de um judeu foi a maneira como Jesus chamou a Deus: «Abba» («Pai», em hebraico).
«O que torna o seu ensinamento credível é a sua atitude misericordiosa para com todos aqueles - inimigos, párias - que Ele encontra: uma prostituta, um coletor de impostos, um legionário romano...», aponta Michel Quesnel. Numa palavra, Jesus perdoa. E é isto que faz a diferença aos olhos dos seus contemporâneos.
«Crente ou não, o historiador acaba por ser confrontado com o mistério da sua pessoa», conclui Jean-Christian Petitfils.
6. Jesus foi crucificado?
Sim. Neste ponto, os Evangelhos são corroborados tanto por autores profanos como pelo Talmude.
No primeiro século havia duas formas de condenação à morte no Império Romano: a decapitação, reservada aos notáveis, e a crucificação, para as pessoas do povo, suplício particularmente terrífico.
Em 1968 foram encontrados os restos de um crucificado num bairro de Jerusalém cujo calcanhar tinha sido atravessado por um prego em ferro com 17 cm.
«Pernas fletidas, tíbias partidas... O estado do esqueleto permitiu reconstituir uma forma precisa de execução aproximadamente correspondente ao suplício descrito nos Evangelhos», afirma Michel Quesnel. Em matéria de crucificação, prática que os romanos teriam tomado dos Partos, existiam muitas variantes. A morte ocorria, geralmente, por asfixia.
7. O sudário de Turim é uma "fotografia" de Jesus?
A incerteza permanece. Muito foi escrito sobre este pano de linho branco de 4,36 x 1,10 m conservado em Turim, atual Itália, que apresenta o desenho de um crucificado que, de acordo com a tradição, teria envolvido o corpo de Jesus no túmulo.
Sobre o "Santo Sudário", que será novamente exposto em 2015 e venerado pelo papa Francisco a 21 de junho, os especialistas confrontam-se com duas questões essenciais: a datação - Idade Média ou primeiro século da nossa era? - e o processo como foi feito, em particular a impressão em "negativo", que nunca se conseguiu reproduzir.
Em 1988, a técnica do Carbono 14, bíblia dos arqueólogos, apresentou o seu veredito: o lençol teria sido fabricado entre 1260 e 1390, período que corresponde à sua primeira aparição comprovada (1357) numa igreja de Lirey, no atual departamento de Aube, em França.
Mas a controvérsia não se ficou por aqui. Para os opositores à tese da origem medieval, o sudário remontaria ao século I devido às técnicas de costura, ao fio utilizado e aos detalhes históricos que o sudário revela quanto ao modo como a crucificação foi executada.
Os defensores da autenticidade salientam, ainda, que o material sujeito ao teste do Carbono 14 foi extraído de pontas do sudário, provenientes de um restauro tardio.
E ainda que se trate da "fotografia" de um crucificado, como é verosímil, falta provar, com dados científicos, a quem pertenceu. A devoção, que tem atraído sempre mais pessoas a Turim aquando das ostensões, é outra história.
In "Pèlerin"
Trad. / edição: Rui Jorge Martins
Publicado em 27.12.2014