A ASSISTÊNCIA DO ESPÍRITO SANTO À IGREJA FUNDADA POR JESUS
Luiz
Sérgio Solimeo
Por falta de um entendimento adequado sobre
a verdade inquestionável da assistência do Espírito Santo à Igreja, muitos
católicos ficam confusos e inseguros.
Não querendo ir contra essa
verdade, eles procuram, muitas vezes, negar a realidade de certos fatos ou o
sentido evidente de certas afirmações que parecem contrariar essa divina
assistência.
Ficam assim enredados num dilema
aparentemente sem saída: ou negar os
fatos ou negar a assistência do Espírito Santo à Igreja.
O
Espírito Santo favorece o bem na Igreja mas permite que o mal
ocorra.
Trata-se de um falso dilema que
resulta de uma concepção um tanto simplista da atuação do Espírito Santo na
Igreja.
Confunde-se “assistência”
do Paráclito, efeito da providência especial de Deus sobre sua Igreja, com um
governo direto que substitui os homens ou elimina seu livre
arbítrio.(1)
Não é assim. Embora Jesus Cristo
tenha prometido a ajuda do Consolador, Ele desejou que a Igreja fosse governada
por homens, que têm a ajuda especial do Espírito Santo, mas que não são
impecáveis, não estão isentos das tentações do demônio, do mundo e da
carne.
Dessa forma, embora o Paráclito
assista com graças especiais os membros da Hierarquia, tal assistência não
elimina o livre-arbítrio nem a tendência para o mal herdada do pecado
original.
Por outro lado, é preciso
ter em conta que essa ação especial da Divina Providência não apenas favorece o
bem, mas, para provação nossa e castigo dos pecados, muitas vezes permite a
ocorrência do mal no elemento humano da Igreja.(2)
Portanto, não se pode invocar a
assistência do Espírito Santo à Igreja como justificativa para qualquer desvio,
imprudência ou escândalo, como se, em vez de ser uma
mera permissão, se tratasse de um ato
da vontade divina.
Deus
permite crises na Igreja
É bem evidente que Deus não pode
aceitar que se deturpe fatos evidentes ou suficientemente documentados, como
recurso para “salvar” a santidade da Igreja.
Tal atitude seria ir contra a
verdade e, portanto, contra a santidade da Igreja. Ela foi seriamente condenada
pelo Papa Leão XIII (1878-1903) que utilizou as próprias palavras inspiradas do
livro de Jó (13:7): “Deus não tem necessidade de nossas
mentiras.”
Pelo contrário, acentuou o
Pontífice, “O historiador da Igreja estará melhor preparado para ressaltar sua
divina origem […] quanto mais ele for leal em não mitigar as crises pelas quais,
por falta de seus filhos e, por vezes de seus ministros, passou a Esposa de
Cristo durante o decurso
dos séculos.
Estudada dessa maneira, a História
da Igreja constitui, por si mesma, uma magnífica e concludente demonstração da
verdade e divindade do Cristianismo.”(3)
Ao abrir os Arquivos Secretos do
Vaticano aos historiadores, o mesmo Papa insistiu: “Não diga nada
falso, não cale nada verdadeiro.”(4)
Ninguém que tenha um conhecimento
suficiente da História da Igreja pode negar as crises pelas quais ela tem
passado e a fraqueza ou atitude escandalosa de muitos Papas.
Assim, o Papa Pio XII (1939-1958)
em sua Encíclica Mystici Corporis Christi, explica que “se às vezes
na Igreja se vê algo em que se manifesta a fraqueza humana, isso não deve
atribuir-se a sua constituição jurídica, mas àquela lamentável inclinação do
homem para o mal, que seu divino Fundador às vezes permite até nos membros mais
altos do seu corpo místico para provar a virtude das ovelhas e dos pastores e
para que em todos cresçam os méritos da fé cristã.”(5)
É por essa razão que historiadores
católicos, — como Ludwig von Pastor, cuja monumental História dos
Papas recebeu elogios do Papa Leão XIII —, não hesitaram em apresentar de
modo claro e documentado os desmandos e escândalos de Papas.
Foi
vontade do Espírito Santo que Alexandre VI fosse eleito?
Ninguém pode supor, por exemplo,
que o Espírito Santo, que assiste aos Conclaves, tenha querido ou favorecido a
escolha do Cardeal Rodrigo de Borja, para se tornar o Papa Alexandre VI
(1492-1503), embora ele fosse publicamente conhecido como pai de quatro filhos
de sua concubina Vannoza dei Cattanei e outros de outras mulheres.(6)
É evidente que aí se tratou de
uma permissão, para castigo da humanidade, inebriada com o paganismo
renascentista.
Do mesmo modo, não se pode
atribuir à vontade divina a elevação ao papado de Bento IX (1032-1044) sobre o
qual escreve o historiador Fr. Joseph Brusher S.J.:
“Um jovem, provavelmente de vinte
anos de idade, ele era um clérigo. Essa era talvez a sua única qualificação para
o papado. Desqualificado por sua juventude, por sua educação, por sua
depravação, Bento IX foi um dos poucos Papas desonrados.”(7)
O verbete da The Catholic
Encyclopedia é mais incisivo: “Ele foi uma desgraça para a
Cátedra de Pedro.”(8)
Distinguir bem
entre a vontade e a permissão divinas
Tendo bem clara a distinção entre
a manifestação da vontade efetiva de Deus e a sua
mera permissão, fica patente que a assistência do Divino
Espírito Santo à Igreja não impede que haja infidelidades e crises.
Por outro lado, como vimos acima
pelos textos dos Papas Leão XIII e Pio XII, tais infidelidades e crises, longe
de contrariarem a santidade da Igreja, ressaltam como somente uma instituição de
origem divina poderia perdurar pelos séculos, apesar da fraqueza humana e da
tendência para o mal que é a herança do pecado original.
Mas mesmo nas épocas das piores
crises pelas quais passou a Igreja, graças à assistência do Espírito Santo, ela
nunca deixou de santificar através dos sacramentos, de apresentar a verdade,
ainda que, muitas vezes, seja requerido grande esforço dos católicos para se
manterem fiéis a ela — como na crise do Arianismo, por exemplo.
Confiança em
Maria Santíssima que derrotou as heresias
A crise atual — que é uma
extensão, um prolongamento da crise da heresia modernista denunciada por São Pio
X — está chegando a um tal auge que desencoraja a muitos.
Nas mais altas esferas de direção da Igreja
se discute a possibilidade de ministrar a Sagrada Comunhão a pessoas em estado
objetivo de pecado mortal e se chega a ver “dons” úteis ao cristianismo nas
relações homossexuais.
Uma compreensão melhor da
assistência do Espírito Santo, entendendo que esta assistência não é somente
positiva, no sentido de impulsionar o zelo pela doutrina e pela salvação das
almas — o que, de uma maneira ou outra Ele sempre promove — mas existe também a
sua permissão para que o mal ocorra, para nos provar e em
castigo dos pecados da humanidade.(9)
Assim como os fiéis, seguindo o
exemplo de bispos como Santo Atanásio e Santo Hilário de Poitiers, resistiram à
tremenda crise do Arianismo, nós devemos também, com a certeza do auxílio da
divina Providência, resistir “fortes na fé” (1Pedro 5:9).
Mais do que nunca, neste
período de trevas e confusão, devemos recorrer sempre à intercessão de Maria
Santíssima, a qual “sozinha derrotou todas
as
heresias.”(10)
____________
Notas:
1.E. Magenot, “Assistance du
Saint-Esprit,” Dictionnaire de Théologie Catholique,Letouzey et Ané,
Paris, 1931, t. I, deuxième partie, cols. 2123-21-27.
2.
R. Garrigou-Lagrange,
“Providence, Théologie, L’Infalibilité,” Dictionnaire de Théologie
Catholique, t. XIII, première partie, col. 1015.
3.
Pope Leo XIII,
Encyclical Depuis Le Jour, On the Education of the Clergy, 8th of
September 1899, nºs 25-26. Em inglês no site do Vaticano:http://w2.vatican.va/content/leo-xiii/en/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_08091899_depuis-le-jour.html
4,
Brief Saepe numero,
August 28, 1883.
5.
(1943) n. 64, site do
Vaticano: http://w2.vatican.va/content/pius-xii/pt/encyclicals/documents/hf_p-xii_enc_29061943_mystici-corporis-christi.html.
6.
Ludwig Pastor, The History of
the Popes, Herder, St. Louis, Mo, 1923, v. V, pp. 363-364.
7.
Popes Through the
Ages, Van Nostrand Company, Inc., Toronto-New York, 1959, p. 292.
8.
Mann, H. (1907). Pope Benedict
IX. In The Catholic Encyclopedia.http://www.newadvent.org/cathen/02429a.htm.
9.
Quando se diz que Deus permite o
mal, deve-se entender que essa permissão nunca é positiva, isto é, como a de um
mau pai que da licença ao filho para que frequente lugares de perdição. Trata-se
apenas de uma permissão negativa: Deus apenas não dá graças especiais — além das
graças comuns que todo homem recebe — para, por esse meio extraordinário,
impedir que o mal ocorra.
10.
“Rejubile-se, Ó Virgem Maria, por
que sozinha vós derrotastes todas as heresias” (“Gaude Maria virgo: cunctas
haereses sola interemisti in universo,” Ofício de Nossa Senhora).