Papa apela à «paz» no coração da atual «guerra mundial» e diz que «fundamentalismo religioso» rejeita Deus
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A PAZ É UM DOM DE DEUS E COMO TAL ELE NÃO PODE SER REJEITADO |
Só em Deus se acha a verdadeira
paz; porque, tendo Deus criado o homem para si, o Bem infinito, só Ele pode
fazê-lo contente.
Ressoe uma palavra: paz. O papa abriu hoje com esta invocação o seu tradicional discurso ao corpo diplomático acreditado na Santa Sé, que tradicionalmente se profere no Vaticano por ocasião dos votos de ano novo.
Tomando o ícone do nascimento de Jesus numa manjedoura, Francisco manifestou a sua «dor» pelas «consequências dramáticas» daquela que definiu como «uma mentalidade da rejeição» e da «cultura da subjugação», que se expressa na «contínua difusão dos conflitos».
Para o papa, trata-se de uma verdadeira «guerra mundial» que se trava «com formas e intensidades diferentes» em «várias zonas do planeta.
O discurso lembrou as mais de 100 crianças que morreram no assalto à escola no Paquistão, e o Médio Oriente, cruzado por conflitos «que se prolongam há demasiado tempo» e cujas consequências implicam «o prolongamento do terrorismo de matriz fundamentalista na Síria e no Iraque», fenómeno que é «consequência da cultura do descarte aplicada a Deus».
«O fundamentalismo religioso, com efeito, antes ainda de descartar os seres humanos através da perpretação de massacres horrendos, rejeita o próprio Deus, relegando-o para um mero pretexto ideológico», vincou.
Referindo-se aos ataques ocorridos na última semana em Paris, entre outros «numerosos» acontecimentos, Francisco acentuou que resultam de uma cultura «que não poupa nada nem ninguém», produzindo «violência e morte» e gerando uma «humanidade ferida e continuamente lacerada por tensões e conflitos».
O papa pediu aos «líderes religiosos, políticos e intelectuais, especialmente muçulmanos, que condenem qualquer interpretação fundamentalista e extremista da religião».
As violações de mulheres, em contextos de guerra ou de ausência de conflitos, foram qualificadas de «gravíssima ofensa» e estão na origem de «um trauma que dificilmente poderá ser esquecido.
Entre as consequências das guerras está «a fuga de milhares de pessoas da sua terra de origem», apontou, antes de pedir às autoridades para que se interroguem sobre o número de pessoas que «perdem a vida em viagens desumanas», submetidas a negociantes «ávidos de dinheiro».
O mar Mediterrâneo não se pode tornar «um grande cemitério», assinala o papa, recordando que muitos migrantes, especialmente no continente americano, «são crianças? Que precisam de «maior cuidado, atenção e proteção».
Dirigindo-se aos países de destino das pessoas que procuram melhores condições de vida, Francisco convida a uma «mudança de atitude» que «passe do desinteresse e do medo a uma sincera aceitação do outro».
Depois de se referir aos «exilados ocultos», como idosos, doentes e jovens a quem são negadas «perspetivas concretas» de emprego, Francisco voltou a frisar que «não há pior pobreza do que aquela que priva do trabalho e da dignidade do trabalho» ou que o torna «uma forma de escravidão».
«Não raramente», a família é «objeto de descarte por causa de uma cada vez mais espalhada cultura individualista» que favorece a baixa natalidade, num contexto de legislações «que privilegiam diversas formas de convivência, mais do que apoiar adequadamente a família para o bem de toda a sociedade».
A luta contra o Ébola, os conflitos em África, a situação nas Filipinas, Venezuela, Colômbia e Irão, a par do apelo à unificação das duas Coreias foram também mencionados por Francisco.
No início do ano, o papa salienta que não quer que o seu olhar «seja dominado pelo pessimismo», e agradece a Deus pelos encontros, diálogos e por alguns «frutos de paz» que foram sendo obtidos.
Neste âmbito, Francisco lembrou a sua visita à Albânia, que, não obstante «as feridas sofridas na história recente», é hoje um país de «convivência pacífica» num «clima de respeito e confiança recíproca entre católicos, ortodoxos e muçulmanos», e recordou também o «diálogo ecuménico e inter-religioso» que experimentou na Turquia e o «espírito de acolhimento» na Jordânia.
«Uma fé em Deus sincera abre ao outro, gera diálogo e trabalha para o bem comum, enquanto que a violência nasce sempre de uma mistificação da própria religião, assumida como pretexto de projetos ideológicos que têm como único propósito o domínio do homem pelo homem», afirmou.
A intervenção lembrou exemplos em que o diálogo construiu pontes, como a recente decisão dos EUA e Cuba de «porem fim a um silêncio recíproco que durou mais de meio século» e de assim se «reaproximarem para o bem dos respetivos cidadãos», bem como a intenção norte-americana de «encerrar definitivamente a prisão de Guantanamo».
Francisco evocou a Ucrânia, que se tornou num «dramático teatro de recontros», para a qual desejou que, «através do diálogo, se consolidem os esforços efetivos para fazer cessar as hostilidades, e as partes envolvidas empreendam quanto antes, num renovado espírito de respeito da legalidade internacional, um sincero caminho de confiança recíproca e de reconciliação fraterna».
Os diplomatas escutaram ainda o apelo a que no Médio Oriente cesse a violência e se alcance «uma solução que permita tanto ao povo palestino como ao israelita viver finalmente em paz», dentro de «fronteiras claramente estabelecidas e internacionalmente reconhecidas», para que «a solução de dois estados se torne efetiva».
Francisco lembrou, ainda, o 70.º aniversário da criação das Nações Unidas, referiu-se à agenda para o desenvolvimento global após 2015, com especial atenção às questões da sustentabilidade dos recursos e ao clima, e acentuou que a paz nasce «da conversão do coração».
Existem atualmente 180 países que estabeleceram relações diplomáticas com a Santa Sé, a que se acrescentam a União Europeia, a Ordem de Malta e uma missão de natureza especial, do estado da Palestina.
Rádio Vaticano / Avvenire
Trad. / edição: Rui Jorge Martins
Publicado em 12.01.2015
Fonte: Pastoral e Cultura