Vede: a Cruz,
Que aos olhos do século parece não ser mais que um símbolo de tristeza, é, entretanto, a obra prima da alegria; e, portanto, a maior das felicidades humanas é essa loucura de que nos fala São Paulo.
O século sempre
entendeu esta loucura erradamente, servindo-se dela para zombar da fé,
caluniar o cristão e apresentá-lo como o refugo da natureza humana, cuja ciência
consiste em bestializar a inteligência, obliterar o sentimento e atrofiar o
coração.
Nunca foi esta a
doutrina da Igreja, que, bem longe de assim entendê-lo, quando, no século 17,
homens saídos de seu seio, mal interpretando as palavras do Apóstolo, fizeram
uma guerra encarniçada à ordem natural, à razão humana, ao desenvolvimento da
inteligência e às necessidades legítimas do coração, condenou essa doutrina –o
Jansenismo – e reprovou a sua moral.
A loucura da Cruz, como a
entende a Igreja, não é, pois, a mutilação do homem; não é a renúncia de seus
sentimentos, nem do que eleva o seu espírito, dilata o seu coração e alegra a
sua vida.
A doutrina da
Igreja, é que a Graça não destrói a natureza: purifica-a,
aperfeiçoa-a.
Santo Agostinho
dizia que a Encarnação não é senão um vasto sistema higiênico e curativo para a
natureza humana; e, se bem compreenderdes este pensamento do egrégio doutor da
Igreja, vós tereis a justa ideia do que seja a loucura da Cruz.
Nas práticas da
vida cristã, nas humilhações do homem que quer purificar-se, há uma espécie de
loucura; mas loucura somente para os instintos depravados da natureza
corrompida.
Como em
todo remédio há uma parte por assim dizer ignóbil, vil, desprezível,
repugnante à natureza; há também isso no aparelho curativo da Igreja.
O homem é também doente do
espírito e do coração; e os remédios de que precisa esta sua enfermidade são
como os do corpo, duros, amargos, repugnantes à vaidade e ao
orgulho.
É uma loucura humilhar-se, abater-se pedir
perdão das ofensas, amar os inimigos?!
Pois é a loucura da
Cruz!
É uma loucura ser casto, renunciar aos
gozos animais, rivalizar com os anjos?! Pois é a loucura da Cruz! É uma loucura repudiar a avareza a ambição
da glória, o furor do bem-estar?! Pois é a loucura da
Cruz!
Reparai, porém:
esta loucura é um verdadeiro remédio, porque nos despoja do velho homem,
restaura as partes nobres da nossa natureza, que só se purifica e regenera pela
crucificação, isto é, pelo aniquilamento de suas partes más.
E não foi essa
loucura que regenerou o mundo, quando, num momento solene da
história, para libertá-lo da gangrena romana, foi preciso lavá-lo no sangue das
virgens, dos confessores, dos mártires?! E, hoje, que falta ao nosso
século?
É justamente a loucura da
Cruz!
Porque o homem
moderno é tão vaidoso, tão cheio de ambições, tão sensual, tão rebelde? Porque
não ama a Cruz de Jesus Cristo e zomba do cristão que procura reproduzi-la em
si? Porque na
política a impostura, a mentira, a perfídia?
Na ciência – o
orgulho, na literatura – a luxúria, nas artes – a prostituição do belo, o
repúdio de todas as formas nobres da imaginação? Porque o estadista, o sábio, o
filósofo, o poeta e o artista não conseguem fazer feliz a humanidade
moderna?
Percorrei o mundo
inteiro, batei a todas as portas; perguntai aos homens, nos palácios ou nas
choupanas, se eles são felizes; e um gemido doloroso saído de todos os corações
vos responderá: não, não somos felizes.
Mas porque o homem moderno,
no meio de tantos esplendores da civilização material, é verdadeiramente
desgraçado? Porque ele não ama a Cruz de Jesus Cristo.
Vós, homem
moderno, podeis pretender todas as glórias: a de terdes surpreendido, com um
pedaço e vidro, o infinitamente pequeno nas profundezas da terra, o
infinitamente grande nas profundezas do céu;
A de terdes dado
aos vossos olhos o prodigioso óptico poder de verem no solo o arbusto crescer, a
verem no espaço o astro girar; a de terdes reunido nas vossas exposições
universais as riquezas espalhadas pelo globo;
A de terdes
consorciado nos vossos museus as faunas e as floras do mundo inteiro; a de
terdes pelejado com os seus ventos e tempestades, medido mesmo a profundeza dos
seus oceanos. Há uma glória, porém, que
vós não podeis reclamar:
A de terdes medido a
inanidade dos vossos prazeres, domado os ímpetos do vosso orgulho, medido a
profundeza incomensurável da vaidade universal, que não deixa ver na Cruz de
Jesus Cristo a salvação do mundo, e na loucura da Cruz – a sabedoria
verdadeira!
* *
*
Fonte:
retirado do livro “A Paixão” do Rev. Pe. Júlio Maria de Lombaerde.
Sem comentários:
Enviar um comentário