terça-feira, 17 de novembro de 2015
Ninguém quer voltar ao 'paraíso verde' do horror e da mentira
A agência oficial Xinhua anuncia que o local das pavorosas explosões no porto de Tianjin – desastre que continua não esclarecido – será transformado num “parque ecológico” e que as “tarefas de limpeza estão quase concluídas”.
Veja o que aconteceu em Tianjin
Porém, segundo o jornal espanhol “El Mundo”, o local ainda está muito longe da “normalidade” falsamente proclamada por Pequim. “Mais do que ‘ecológico’ – escreve o jornal –, o ambiente continua passando uma imagem que faz pensar em filmes de ciência-ficção”.
Caminhões do exército jogam jatos de água sobre os veículos para “descontaminá-los”, viaturas e dezenas de operários vestidos com grossos macacões bancos e usando escafandros, pulam entre montes de ruínas empilhadas sobre os depósitos de produtos químicos que explodiram.
Uma divisão de cavadeiras continua remexendo aquelas pilhas de entulho e ferragens onde talvez se encontrem algumas das dezenas de corpos dos desaparecidos.
A inépcia da operação é acentuada pelos charcos de água contaminada que continuam cobrindo um espaço imenso.
“Disseram-nos para levar os contendores embora, mas não sabemos para onde levá-los. Perigo? Não, se tudo isto aqui é tóxico, mas a empresa nos mandou usar trajes anticontaminação”, explicou um dos operários que trabalha na confusão.
A ironia popular rebatizou o local de “O Paraíso”. “Isso deveria chamar parque químico, e não parque ecológico”, disse um usuário do Weibo, a rede social controlada que substituiu o proibido Twitter.
“Acreditamos que esse será um dos parques onde não haverá necessidade de se colocar um cartaz dizendo: ‘Proibido tomar banho’”, escreveu o site Shanghaiist.com.
No sinistro “Paraíso” pululam cenas dantescas. Todos os inquilinos de uma urbanização próxima querem abandonar o local.
“Como vamos viver junto de uma fossa comum?”, explicou um dos moradores que catava seus objetos ainda aproveitáveis.
A área continua altamente contaminada. |
Os imensos prédios de apartamentos, que eram apresentados como “chiques”, estão abandonados, com as janelas arrebentadas e as portas violadas.
“O trauma foi profundo demais. Tudo isto está contaminado. Não podemos voltar a morar aqui”, disse um inquilino que não quis dizer seu nome para não sofrer represálias.
Carros destroçados ou incendiados acumulam-se nas ruas, enquanto o mesmo acontece com centenas de outros reduzidos à ferrugem calcinada em imensas praias.
Os moradores acumulam sobre o asfalto pilhas de colchões, roupas, mobília e ursinhos de peluche.
“É a melhor zona residencial da região”, rezam ainda os cartazes que rodeiam o “Paraíso”.
Os vizinhos reclamam indenizações ao governo. Este reconhece que as explosões danificaram 17.000 moradias e 170 sedes empresariais.
O governo oferece uma reparação que o morador Gen Hao explica ser insuficiente para recuperar o perdido. A população está revoltada. “Querem que assinemos um acordo, mas não o faremos”, sublinhou Gen.
Também os parentes dos bombeiros mortos no lutuoso episódio estão cheios de críticas. Alguns nem viram ainda os corpos dos falecidos.
Moradores acham um acinte a promessa socialista de “numa celebração da vida, criar um memorial para um meio ambiente mais habitável” |
“Nossos filhos não foram objeto de qualquer cerimônia”, reclamou o pai de Zheng Guangliang, um dos falecidos.
A irmã de Jia Nailiang denunciou no jornal oficial South China Morning Post que o seu cadáver continua na morgue, mas que ela não pode sequer vê-lo.
Segundo a agência AFP, somente no primeiro semestre de 2015 morreram 26.000 operários em acidentes industriais. O que equivale a mais de 140 por dia.
O acidente de Tianjin provocou graves danos à atividade econômica do segundo porto da China.
A firma Resilinc advertiu para atrasos de vários meses no fornecimento de produtos, sobretudo devido à destruição do prédio onde funcionava a maior parte da burocracia do porto ficou.
O banco Crédit Suisse avaliou as perdas em entre 1 e 1,5 bilhões de dólares.
Para os chineses que ousam desafiar a espionagem e a repressão nas redes sociais, é um verdadeiro insulto o anúncio de que o governo vai construir no local um “parque ecológico” de 24 hectares com lago incluído, “numa celebração da vida, um memorial para ajudar a criar um meio ambiente mais habitável”.
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