“América, América”: Jorge de Sena dá-nos a sua visão acutilante sobre a cultura e a política dos EUA
A sugestão de leitura desta semana da livraria Palavra de Viajante.
Marta Teives
Jorge de Sena, que aprendeu a ler aos três anos e aos dez já lia fluentemente em francês, é um dos nomes mais importantes da cultura portuguesa do século XX. Poeta, ensaísta, crítico – de literatura, teatro e cinema –, historiador da cultura, Jorge de Sena, nascido em Lisboa em 1919, viria a afrontar a ditadura exigindo eleições livres, em 1945, fundando a Sociedade Portuguesa de Escritores, em 1956, e envolvendo-se no frustrado ‘Golpe da Sé’, em 1959.
No mesmo ano, aproveitando uma deslocação à Universidade da Bahia, exila-se no Brasil, aí continuando a actividade política, a par do desenvolvimento da sua carreira académica. O golpe militar brasileiro de 1964 leva-o a aceitar um convite para leccionar nos Estados Unidos e, em 1970, instala-se definitivamente em Santa Barbara, na Califórnia, onde viria a morrer em 1978.
“América, América” é uma colectânea de textos que o autor escreveu entre 1968 e 1978 sobre a cultura e a política dos Estados Unidos, e sobre a sua experiência americana – incluindo os seis anos que passou no Brasil. A acutilância da sua análise mantém-na extremamente actual. Quando estamos tão próximos de uma eleição que pode ser devastadora não só para os Estados Unidos como para o mundo, e em que para nós, europeus, é difícil conceber a possibilidade de a Obama poder suceder Trump, não resistimos a reproduzir umas linhas que poderiam ter sido escritas hoje:
“Pela própria estrutura que herdou das suas origens, a América do Norte é uma pirâmide de provincianismos selectos, desde os municípios até à Casa Branca. Toda a organização política, social, religiosa e jurídica da nação assenta nessa liberdade dos grupos e das ‘comunidades’ (palavra-chave do Mito Americano) para serem os ditadores locais dos interesses das maiorias ou os representantes de interesses mais vastos que o nível em que o grupo influi. O que, na origem, era admirável visão de autogoverno harmoniosamente simbolizada no Congresso, na Presidência e no Supremo Tribunal (para os quais só apelava quem queria) e que fascinou Tocqueville, tornou-se, com o tempo uma acumulação de pretensas liberdades locais, que manieta a administração federal e que nega o ideal americano de liberdade e de justiça…”.
Como complemento à leitura, veja-se o filme “Correspondências”, de Rita Azevedo Gomes, apresentado a concurso no passado mês de Agosto no Festival de Locarno, que encena a correspondência trocada ao longo de duas décadas entre Sophia de Mello Breyner Andresen e o autor de “Sinais de Fogo”, que intercala os excertos das cartas com planos de lugares e evocações das vidas dos dois poetas.
De destacar também a sua faceta de tradutor, qualidade na qual verteu para português nomes maiores da literatura norte-americana, como Erskine Caldwell, William Faulkner ou Ernest Hemingway. “América, América”, tal como a restante obra de Jorge de Sena, é editado pela Guimarães.
A Palavra de Viajante vai de férias com a promessa de regressar em Setembro.
Boas viagens e boas leituras!
Fonte: Económico
Sem comentários:
Enviar um comentário