Plinio Maria
Solimeo
No desmoronamento do
Império Romano do Ocidente, a Providência suscitou São Bento “como uma luz no
meio das trevas, ou como um médico enviado por Deus para curar as chagas da
humanidade nessa época”
Em seu livro Diálogos, em
que narra a vida de Santos, São Gregório Magno dedica o capítulo II a São Bento.
Assim principia ele:
“Houve um homem de
vida venerável pela graça e pelo nome, Bento, que desde sua infância teve a
cordura de um ancião.
Com efeito,
adiantando-se pelos seus costumes à idade, não entregou seu espírito a prazer
sensual algum, senão que, estando ainda nesta Terra e podendo gozar
livremente as coisas temporais, desprezou o mundo com suas flores, como se
estivessem murchas”.
São
Bento era oriundo da nobre família Anicia, que dera a Roma cônsules
e imperadores, e nasceu no povoado de Sabino, em Núrcia, na Úmbria, por volta de
480.
Quatro anos antes,
o rei dos bárbaros Hércules depunha o último imperador romano, Rômulo Augústulo,
fazendo cessar assim o domínio que tinha Roma sobre todo o mundo
civilizado de então.
Da irmã gêmea de Bento,
Escolástica, sabe-se que foi consagrada a Deus desde sua infância, mas não se
têm pormenores de sua vida, senão pouco antes de sua morte.
Barbárie alastra-se na
época de São Bento
Acompanhado de sua
ama de leite, Bento foi enviado a Roma para estudar. Ali permaneceu certo
tempo.
Mas aconteceu que,
“invadido pelos pagãos das tribos arianas, o mundo civilizado parecia declinar
rapidamente para a barbárie durante os últimos anos do século V: a Igreja estava
dividida pelos cismas; cidades e países desolados pela guerra e pilhagem;
vergonhosos pecados campeavam tanto entre cristãos como gentios. [...]
Nas escolas e nos
colégios os jovens imitavam os vícios de seus maiores”.
Por isso Bento foi
viver, ainda com sua ama de leite, na cidadezinha de Efide, onde, auxiliado “por
muitos homens honrados”, instalou-se perto da igreja de São Pedro.
Foi nesse pequeno
lugar que ele operou o primeiro milagre de que se tem notícia. Tendo sua ama emprestado de
gente pobre da redondeza um jarro de barro, colocou-o de mau jeito sobre a mesa;
este tombou, caiu ao solo e partiu-se.
Vendo a mulher chorar
amargamente porque não podia devolver o jarro quebrado, Bento juntou os cacos e
rezou sobre eles, “com os olhos cheios de lágrimas”. No mesmo instante o jarro
se reconstituiu, como se nunca se tivesse partido.
Recolhimento na solidão de
Subiaco
Nesse recolhimento
total, o solitário viveu durante três anos.
Foi quando,
segundo a tradição, um sacerdote de Monte Preclaro, que planejara seu jantar
para o domingo de Páscoa, viu em sonhos Nosso Senhor que lhe disse: “Meu
servidor morre de fome numa caverna, e tu te preparas deliciosas iguarias”.
A essa voz o
sacerdote se levanta, pega o que havia preparado para a refeição, e sai para
encontrar o servo de Cristo, desconhecido por ele.
Guiado pela mão de Deus,
vai entre as montanhas e rochas até encontrar finalmente a gruta de Bento.
Depois de com ele rezar por longo tempo, convida-o a participar de sua refeição,
alegando ser aquele um dia de festa.
A fama do milagre
espalhou-se pela cidade, e era exatamente o que Bento não queria. Por isso,
resolveu retirar-se para um lugar inteiramente isolado, onde pudesse estar a sós
com Deus.
Desta vez, sem
levar consigo nem sua ama, foi para uma região agreste, montanhosa, a umas
quatro milhas de Roma, chamada Subiaco.
Lá encontrou um
monge, Romão, que sabendo de seus desígnios, deu-lhe um hábito de eremita e
indicou-lhe uma gruta tão inacessível, que dificilmente alguém poderia
encontrá-lo.
E o mesmo São
Romão fazia descer o pão para alimento de Bento, por uma cordinha à qual
amarrara uma sineta.
Algum tempo
depois, alguns pastores descobriram o santo.
No início,
pensaram tratar-se de algum animal, pois estava vestido de peles, mas depois
viram que era um solitário. Este lhes falou da religião, e aos poucos a fama de
santidade de Bento irradiou-se pela região.
Ato heróico para aplacar a
concupiscência
O pai da mentira
quis vingar-se do bem que Bento fazia e do que previa que ele iria ainda fazer,
e sob a forma de um melro começou a cantar, volteando em torno de sua cabeça.
Mas Bento fez o
sinal da Cruz sobre o importuno, que desapareceu.
No mesmo instante o Santo
sentiu tão terrível tentação de luxúria que, para apagar seu ardor, jogou-se
numa sarça de espinhos, sobre a qual esfregou seu corpo até o sangue jorrar.
A dor física
afastou a tentação diabólica, e esse ato
heróico valeu-lhe o ver-se livre de toda tentação de luxúria para o resto de
sua vida.
Séculos depois,
outro santo, São Francisco de Assis, contemplando enlevado aquela sarça de rudes
espinhos, abençoou-a, e nela surgiram odoríferas rosas.
Havia nas
proximidades de Subiaco um mosteiro, decadente de seu primitivo fervor.
Falecendo seu abade, os monges escolheram Bento para seu lugar. Em vão ele
resistiu. Para o bem da paz, acabou cedendo.
Mas os monges não
puderam suportar suas contínuas admoestações, seus conselhos, e sobretudo a
força de seu exemplo. Resolveram então envenená-lo.
Deram-lhe uma taça de vinho
na qual haviam derramado substância fortemente venenosa, mas o santo, como era
seu costume, fez o sinal da cruz sobre o vinho antes de beber, e a taça
despedaçou-se em suas mãos.
Bento voltou então
para sua amada solidão de Subiaco.
Formador de santos –
milagres portentosos
Aos poucos, 12
conventos espalharam-se ao redor de Subiaco, cada um com 12 monges e um
superior, tendo Bento a supervisão de todos eles.
A fama do
solitário de Subiaco foi espraiando-se como mancha de azeite, e pessoas de toda
condição acorriam para consultá-lo ou ouvir-lhe palavras de vida eterna.
Alguns iam mais
longe: o nobre Equício confiou seu filho Mauro, de apenas 12 anos, para que
Bento o educasse e dirigisse. E o patrício Tértulo fez o mesmo com seu filho
Plácido, então com 7 anos. Na escola de Bento ambos chegarão à honra dos
altares.
Entre os 12
conventos, três ficavam na encosta da montanha, onde não havia água. Seus monges
tinham que descer as escarpadas encostas para buscá-la no lago, embaixo.
Isso não só era
muito cansativo, mas apresentava riscos. Por isso os monges pediram autorização
a Bento para mudar-se para lugar mais propício. O santo quis que eles
esperassem.
Acompanhado do
menino Plácido, subiu a montanha, escolheu um local perto dos conventos e
marcou-o com três pedras. No dia seguinte os monges notaram que do local
jorravam filetes de água, que logo formaram um regato descendo montanha
abaixo.
Outro milagre
realizado por essa época foi com um godo convertido, que entrara como noviço em
um dos conventos.
Bento deu-lhe como
função capinar em redor do lago, para acabar com as pragas.
O noviço pôs tanto
empenho no trabalho que, estando perto do lago, a lâmina da enxada saltou para
dentro da água, num lugar profundo.
Contrito e
humilhado, o noviço procurou Mauro para que este, que era o discípulo predileto,
pedisse a São Bento que lhe desse uma penitência.
Ao saber do ocorrido, o
santo foi até a beira do lago com o noviço e, enfiando a ponta do cabo na água,
a lâmina subiu das profundezas e foi encaixar-se perfeitamente a
ele.
Noutra ocasião, o
menino Plácido foi pegar água no lago e caiu, sendo arrastado pela água. Bento,
por visão profética, viu o que se passava e mandou que Mauro corresse em socorro
do menino.
O jovem obedeceu
prontamente e ao pé da letra: correu sobre a água e pegou Plácido pelos cabelos,
arrastando-o para a margem. Só então se deu conta do milagre de correr sobre a
água, e o atribuiu a
São Bento, que lhe disse que fora antes um prêmio da pronta
obediência.
Fundação
do mosteiro de Monte Cassino
Vendo o bem que
fazia Bento, e consentindo numa tentação do demônio, um sacerdote que morava nas
proximidades, Florêncio, encheu-se de ódio pelo santo.
Tentou matá-lo, enviando-lhe um pão
envenenado, mas São Bento, conhecendo-o por revelação, ordenou a um corvo que
levasse o pão para um lugar onde não pudesse causar dano a
ninguém.
O clérigo não
cessou seus ataques, chegando ao cúmulo de introduzir num dos mosteiros sete
jovens debochadas para tentar os monges.
Sabendo São
Bento que o objeto de toda a ofensiva era ele, resolveu retirar-se, levando
consigo alguns discípulos. E chegou à região de Monte Cassino, onde havia as
ruínas de uma cidade na qual tinha sido venerado o deus Apolo.
No lugar, plantou
uma cruz e começou a construção do mosteiro que tanto bem faria ao mundo daquele
tempo.
Regra beneditina: “suma do
cristianismo”
Querendo que seus
monges unissem a vida ativa à contemplativa, no Ora et Labora (Reza e Trabalha),
São Bento escreveu sua Regra, obra-mestra destinada à perpetuidade.
Ela é, de acordo
com Bossuet, uma “suma do cristianismo, resumo douto e misterioso de toda a
doutrina do Evangelho, das instituições dos Santos Padres, de todos os conselhos
de perfeição, na qual se alcança, no seu cimo mais alto, a prudência e a
simplicidade, a humildade e o valor, a severidade e a doçura, a liberdade e a
dependência:
Na qual a correção
tem toda sua firmeza, a condescendência todo seu encanto, a voz de mando todo
seu vigor, a sujeição todo seu repouso, o silêncio sua gravidade, a palavra sua
graça, a força seu exercício, e a debilidade seu apoio”.
São
Bento faleceu em 21 de março de 543.
E-mail do
autor: pmsolimeo@catolicismo.com.br
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