As discussões sobre o porquê de existir algo em vez de não existir nada já envolveram, no curso da história humana, uma vasta gama de pensadores, cientistas, filósofos, teólogos e outros muitos estudiosos de diversas áreas de especialização, assim como o conceito de "infinito", o "sentido" da vida e da realidade, o "destino" do que existe, a "essência" do espaço e do tempo... A questão do porquê de existir algo em vez de nada é muitas vezes considerada a "mãe de todas as questões".
À luz dos conhecimentos científicos atuais, o universo acessível às observações do homem parece ser o resultado de uma concatenação de causas, cientificamente explicáveis, que começou cerca de 14 bilhões de anos atrás com um primeiro evento conhecido como "Big Bang". Mas o que causou o Big Bang?
a) Uma corrente de pensamento afirma que esta pergunta não faz sentido, porque, se assumimos que o tempo nasceu com o Big Bang, então não havia nada antes desse evento; esta corrente rejeita, assim, a questão da "causa precedente". Santo Agostinho percebeu essa dificuldade e falou dela em seu livro "Confissões", escrito entre 397 e 400 d.C. e considerado uma das obras-primas da literatura cristã. O tema foi abordado depois por muitos outros pensadores, ligados ou não a alguma cultura religiosa, incluindo, em particular, Boécio, autor de obras matemáticas e lógicas que, por volta de 500 d.C., elaborou um conceito de criação significativamente mais sofisticado. Ele pensou num Deus fora do tempo, não dentro do tempo: portanto, não "anterior", mas "superior" ao tempo (Boécio, em A Consolação da Filosofia).
b) Outra corrente de pensamento vê no Big Bang um evento ocorrido dentro de um universo maior, que contém o nosso universo e que poderia até mesmo ser infinito e eterno. Neste contexto mais amplo, o Big Bang poderia ser explicado com uma "causa anterior", mas isso ainda não explicaria a existência do universo-contentor nem a concatenação de causas que levaram ao Big Bang e, portanto, ao começo do nosso universo. Esta tentativa, porém, não resolve o problema: apenas o "transfere" a uma suposta etapa anterior a ele. A física pode explicar os possíveis mecanismos de explosão e implosão capazes de criar e destruir um universo, mas o problema do início de tudo permanece sem resposta.
c) As razões que podem ter levado à existência de uma realidade não devem ser confundidas com as leis que regem as dinâmicas dessa realidade. Por que as leis da física são as que são e não outras? Muita gente afirma que essas dificuldades conceituais, em si mesmas, já remetem a algo maior, a uma criação divina. Esta questão é ainda mais delicada que a primeira, porque diz respeito aos instrumentos com que se descreve a dinâmica do todo. Deve ser enfatizado que a ciência não tem a tarefa de demonstrar a existência ou inexistência de Deus. Esta "pretensão", aliás, levou à ruptura na relação entre ciência e fé. Há quem ache que a ciência tem a tarefa de "provar" ou "negar" a existência de uma mente superior criadora, não considerando que isto seria um "salto ontológico". É importante reiterar: as razões que podem ter levado à existência de uma realidade não devem ser confundidas com as leis que regem as dinâmicas dessa realidade.
A ciência e a fé (racional) são duas estradas com possíveis interações, mas não interferências ou pretensões de sobreposição. As propriedades de um sistema nem sempre podem ser explicadas apenas por meio dos seus componentes; o próprio organismo biológico é um exemplo gritante. E isto se liga à relação (e não ao conflito) entre o holismo e o reducionismo.
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Escrito por Paolo Di Sia, professor de matemática na Universidade Livre de Bolzano e na Universidade de Verona, Itália.
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