Jornada Mundial da Juventude, escola de humanidade
Seguramente a intuição de S. João Paulo II, comunicada pela primeira vez há 33 anos, não esgotou o seu impulso renovador. Pelo contrário, tal impulso é sempre atualizado como resposta ao preciso momento da vida eclesial e do próprio mundo, a partir do ponto de vista da participação juvenil.
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Com a próxima, de 27 a 31 de julho, em Cracóvia, as edições internacionais da Jornada Mundial da Juventude serão 13 (no total, porém, serão 31, se se acrescentarem as outras 18 realizadas a nível diocesano).
Estes encontros de «povo juvenil», no arco de três décadas, tornaram-se gradualmente eventos muito importantes, não só na vida da Igreja católica universal mas também nas Igrejas particulares.
No seu espírito, as 31 Jornadas refletem três pontificados distintos - João Paulo II. Bento XVI e Francisco -, que, não obstante as não poucas diferenças de contextos históricos das três décadas, conferiram sempre à relação Igreja-jovens um papel relevante, como nunca tinha acontecido antes.
Seguramente a intuição de S. João Paulo II, comunicada pela primeira vez há 33 anos, não esgotou o seu impulso renovador. Pelo contrário, tal impulso é sempre atualizado como resposta ao preciso momento da vida eclesial e do próprio mundo, a partir do ponto de vista da participação juvenil.
Depois, foram os papas a ler os momentos particulares da história e a fazerem a sua síntese religiosa, cultural e social: nos seus estilos pastorais são bem visíveis as suas pessoais relações com os jovens.
Apesar de todas diferenças, as Jornadas foram desde sempre muito fiéis à ideia original; fiéis a quanto João Paulo II declarou a primeira vez com o seu anúncio inesperado e às palavras com as quais comunicou oficialmente a instituição destes encontros.
Milão, 22 de maio de 1983
João Paulo II encontrava-se em Milão, no contexto da sua 36.ª viagem apostólica em Itália. Era a solenidade do Pentecostes e depois da oração do "Regina Coeli", proferida da catedral, disse:
«Aproveito com agrado a ocasião da ligação televisiva com vários países para dirigir o meu convite aos jovens, de todas as nações e continentes, a participarem no jubileu especial, programado para eles em Roma, de 11 a 15 de abril do próximo ano.
Quem mais do que vós, jovens, pode acolher a plenitude e a profundidade da esperança cristã? Vós aprendeis, no presente, a edificação de um futuro mais justo para o homem. Quem mais do que vós pode sentir a necessidade de Alguém que liberte o homem das múltiplas raízes do mal que está dentro dele e que marca dramaticamente tanta parte do seu ser e do seu agir?
Dirijo o olhar para Cristo que nos libertou do pecado e do mal; colocar diante dele a fragilidade da nossa experiência assim como a certeza da sua vitória, é esta a grande finalidade do encontro romano expressamente pensado para vós, jovens. Será um encontro de oração, de partilha, de diálogo, de alegria. Numa palavra, um encontro de verdade e de vida que obtenha para cada um e para todos a paz operante. Um encontro que vos torne edificadores de formas de vida novas e mais expressivas do rosto do homem de hoje. E, sobretudo, daquele homem do amanhã que nos vossos rostos já se prefigura».
A instituição das Jornadas
A primeira Jornada Mundial da Juventude ocorreu a 23 de março de 1986, a nível diocesano. No percurso para este primeiro encontro, reforçando os conceitos do seu anúncio em Milão, o papa Wojtyla realiza outros gestos decisivos.
A 25 de novembro de 1984 convidou os jovens, por ocasião do Domingo de Ramos de 1985, a «celebrar, proclamar, testemunhar juntos que Cristo é a nossa paz» e lançou um pedido aos episcopados de todas as nações, aos movimentos e às associações internacionais católicas para apoiarem a iniciativa.
Depois, com data de 31 de março de 1985, Domingo de Ramos, no contexto do Ano Internacional da Juventude, promovido no âmbito da ONU, João Paulo II publicou a carta apostólica "Dilecti amici" ("Queridos amigos").
Por fim, a 20 de dezembro de 1985, João Paulo II, perante o colégio de cardeais e a cúria do Vaticano, anunciou a instituição da Jornada Mundial da Juventude.
Na ocasião, recordando o encontro dos jovens junto da basílica de S. João de Latrão, em Roma, a 31 de março desse ano - «não massa anónima, não número, mas presença viva e pessoal!» -, João Paulo II sublinhou:
«O Senhor abençoou aquele encontro de maneira extraordinária, tanto que, para os anos vindouros, é instituída a Jornada Mundial da Juventude, a celebrar no Domingo de Ramos, com a válida colaboração do Conselho para os Leigos».
Nesta alocução, Karol Wojtyla acrescentou alguns pensamentos muito significativos que sumarizavam o desafio e a perspetiva das Jornadas:
«A Igreja deve olhar para os jovens como para a sua esperança (...) e todos os jovens devem sentir-se seguidos pela Igreja: por este motivo, que toda a Igreja, em união com o sucessor de Pedro, se sinta sempre grandemente empenhada, a nível mundial, em favor da juventude, dos seus anseios e solicitações, das suas aberturas e esperanças, para corresponder às suas expetativas, comunicando a certeza que é Cristo, a verdade que é Cristo, o amor que é Cristo, mediante uma formação adequada, que á forma necessária e atualizada de evangelização.
«Os jovens esperam; estão desiludidos por demasiados desajustes no plano civil, social e político; julgam com clareza e criticismo; a terminar este ano existem aqui e ali sintomas de uma expetativa maior, que não deve ser desatendida pela Igreja, que olha para os jovens com esperança e amor».
Observando desde o longínquo ano de 1986 e fixando o olhar sobre as 13 edições internacionais das Jornadas, realizadas em quatro continentes (a África continua de fora) e 11 países (na Espanha e Polónia ocorreram dois encontros), podem elencar-se algumas considerações.
Amizade social
Duas gerações de jovens cristãos tiveram a ocasião de viver e conhecer direta ou indiretamente uma proposta única que, partindo de motivações religiosas, criou, usando palavras do papa Francisco, «amizade social, pontes e cultura do encontro».
Não é pouco se se tiver em consideração que a história da humanidade nestas últimas três décadas tem uma séria carência daqueles valores.
Aos participantes os papas propuseram estilos de vida exigentes e, com frequência, nada fáceis de seguir para quem é ainda jovem e em fase formativa: uma vida dedicada à procura do sucesso material ou do consenso enquanto tal conduz muitas vezes a não focalizar a atenção na realidade que nos envolve e dentro da qual vivemos.
Paz na justiça
Se se lerem as mensagens com que os papas convocaram as várias Jornadas, mas também quanto disseram nos encontros aos muitos jovens provenientes de todo o mundo, descobrem-se três conceitos e desafios recorrentes: paz, justiça social e solidariedade.
Da primeira à última edição estas Jornadas foram sempre um verdadeiro exercício de civilização e humanidade, onde se procurou sempre formar cidadãos do mundo, propondo valores consistentes e profundos.
Instrumentos da própria realização
É possível encontrar nas palavras dos papas um convite constante, quase uma advertência: o de serem instrumentos do próprio destino e da própria realização; não confiar o próprio futuro aos outros, valendo-se de atalhos de qualquer género. Neste magistério pontifício são frequentes e visíveis as exortações à responsabilidade adulta, num contexto em que os participantes estão em trânsito juvenil.
Atenção preferencial aos últimos
Os jovens que viveram a experiência das Jornadas aprenderam a serem fiéis a uma exigência evangélica sempre realçada: a atenção honesta e plena pelos outros. As Jornadas foram sempre uma escola de "alteridade", um impulso corajoso e sempre renovado a viver a vida tendo presente o outro, em particular o mais frágil e menos afortunado; aqueles que as culturas contemporâneas descartam porque não são produtivos, porque são "derrotados" no jogo da competitividade do consumo, do dinheiro e do sucesso a todo o custo.
Terceira idade: respeito, solicitude e escuta
Sobre o que foi afirmado nas Jornadas sobre a terceira idade, os ensinamentos centram-se na atenção, respeito e escuta das gerações passadas, pais e avós. Estes encontros internacionais combateram e denunciaram a medíocre e mesquinha cultura juvenil em que quem não pertence a uma determinada faixa etária é colocado à margem e esquecido, em nome de um estilo de vida votado apenas a um efémero gozo do presente.
As mulheres no mundo e na Igreja
A presença feminina das Jornadas, seja numericamente seja qualitativamente, foi sempre determinante e, em não poucos momentos, visivelmente maioritária. Milhões de raparigas deram muitas vezes a estes encontros um toque de ternura, afabilidade e cuidado que enriqueceram imensamente a humanidade dos encontros.
Os papas, por seu lado, nunca deixaram de sublinhar esta presença, repleta de contributos e riqueza. As Jornadas sem as mulheres nunca seriam possíveis ou seriam encontros pela metade porque carentes daquilo que Karol Wojtyla chamou por várias vezes «génio feminino».
Formas de vida novas e mais expressivas do rosto do ser humano de hoje
Todos os papas, em todos os encontros, tiveram sempre uma atenção especial para uma espécie de incitamento à mudança, valorizando na idade juvenil uma particular energia capaz de ajudar a tornar o mundo diferente e melhor daquele que foi herdado, fazendo-o sem nunca renunciar ao pacto ou à passagem de testemunho geracional, sem o qual a história humana se torna não mais do que uma soma de fragmentos, e não um processo contínuo. Daqui emerge o convite constante para que os jovens, cada qual na sua situação singular, se torne capaz de inventar formas de vida e de convivência cada vez mais humanas, abertas ao encontro e ao diálogo.
Nunca parar: agitar as águas
No Rio de Janeiro o papa Francisco tornou famosa a exortação «agitar as águas», evitando que se tornem paradas e putrefactas. São as novas gerações as mais sensíveis, com os instrumentos mais afinados para determinar e perceber os factores de estagnação, opressão, chantagem e corrupção que bloqueiam ou negam o futuro.
Um convite a nunca parar de ser impulsionador da mudança, mas não daquele que se realiza pelo prazer de mudar, mas que é capaz de fazer brotar processos sociais e políticos para o melhor e para o alto; em síntese, mudar para progredir.
Bem comum, horizonte a nunca perder de vista
O tema do bem comum como horizonte da convivência humana é um dos ensinamentos mais fortes e poderosos deixados no coração de milhões de jovens nestes 30 anos. Nos três papas este argumento foi sempre um ponto central, verdadeira motivação de cada encontro, de um continente para outro.
Aprender a viver o bem comum, dizia Bento XVI; aprender a compreender os limites dos legítimos interesses de cada pessoa, pensando sempre no interesse de todos. A regra de outro, afirmou-se nestas décadas, é a de aprender a "con-ceder" ao outro, aos outros, sem nunca se convencer de que este bem de todos seja propriedade apenas de um grupo restrito.
A radicalidade do serviço
Por fim, neste elenco necessariamente incompleto, não poderia faltar uma outra herança das Jornadas Mundiais da Juventude, omnipresente nos ensinamentos dos papas: o serviço.
Podemos repropor este convite com palavras do papa Francisco, que retomas as de João Paulo II e Bento XVI: a radicalidade do Evangelho, do chamamento de Jesus Cristo, está em «servir: estar ao serviço, não se deter, ir sempre além, esquecendo-se de si».
Do outro lado, em vez disso, acrescenta Francisco, há «a comodidade do "status": eu atingi um estatuto e vivo comodamente sem honestidade, como aqueles fariseus de que fala Jesus, que passeavam nas praças, fazendo-se ver pelos outros».
Não basta professar-se cristão por palavras, é preciso compreender que a aproximação à verdadeira essência da vida de Jesus, implica abaixar-se ao sofrimento do outro, ajudando, colocando à disposição qualquer talento que se possua. Esta atitude é tanto mais disruptiva e forte se é assumida desde a juventude, sacudindo lugares comuns e estilos de vida "na moda" que são muitas vezes propostos como vencedores.
In "Vatican Insider"
Trad.: Rui Jorge Martins
Fonte: Pastoral da Cultura-Publicado em 24.07.2016
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