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quarta-feira, 9 de setembro de 2015

DEUS, NATUREZA E NÓS!


No princípio, não há lei, só há caridade.
Esta é o princípio único, que é o do amor oblativo no sentido do bem-comum. A ecologia fundamental está assegurada. Melhor, estaria, não fora a escolha não pelo amor propiciador do bem-comum, mas pelo ato egoísta de querer para mim o bem que não me pertence, por natureza: eis o significado eco-ontológico profundo do pecado. É o atentado contra esta principialidade eco-ontológica primeira que faz surgir a primeira lei, não já princípio positivo puro, mas interdição de frequência do lugar do bem-comum.
Percebe-se, assim, melhor o que Sua Santidade o Papa Francisco quer dizer quando usa a expressão «ecologia económica», no § 141 da sua Carta Encíclica Laudato Si’. No parágrafo anterior afirma: «Assim como cada organismo é bom e admirável em si mesmo pelo facto de ser uma criatura de Deus, o mesmo se pode dizer do conjunto harmónico de organismos num determinado espaço, funcionando como um sistema».
O princípio edénico fundamental posto absolutamente pelo ato de suprema caridade divina ao criar o mundo permanece: o Éden não é coisa mítica, mas a atualíssima possibilidade, posta ao nosso alcance, de, ainda hoje, sobretudo hoje, persistir em fazer o bem, não apenas em tolerar, que é um ato de vil sobranceria, não apenas em respeitar, que é um ato mínimo – como Kant bem percebeu –, mas em amar quer cada uma das criaturas quer a sua totalidade, neste que sempre foi o ecossistema global, a nossa Terra.

«Nossa Terra», não porque sejamos donos dela, mas porque é o comum lugar da nossa comum possibilidade. A nossa relação com esta Terra, com este ecossistema que nos é universal e necessário, não pode continuar a ser algo de depredatório, se a humanidade, isto é, cada um de nós, quiser continuar a poder ser. É claro que podemos continuar factualmente a ter com o ecossistema geral uma relação de constante depredação, mas, então, o próprio ecossistema irá naturalmente eliminar o fator de ameaça, nós próprios.

Tal não será apenas justiça poética, mas verdadeira justiça ecológica, pois o «logos» da «casa» não pode permitir que alguns dos seus habitantes, por mais entumescidamente vaidosos que sejam, aniquilem algo que não foi feito para ser por eles aniquilado. O paradigma económico do ecossistema é inexorável, como toda a economia naturalmente é, sem apelo, pois é o modo mecânico natural de o ecossistema se autorregular, tendo em vista a sua manutenção. A economia, seja em que forma for, é sempre antientrópica: quando falhar, a entropia vence. A ecologia é a economia não mecânica, como se o ecossistema possuísse uma finalidade intrínseca e de tal tivesse consciência.

As ciências positivistas negam tal posição, se bem que estejam continuamente a cair em afirmações finalistas, de que não conseguem escapar sem cair num caos lógico total que as arruinaria. Mas as tradições filosóficas e religiosas como a cristã assumem a finalidade intrínseca da ecossistémica global. De tal finalidade faz parte a possibilidade de integração do ser humano como coobreiro do aperfeiçoamento do estado natural; mas também faz parte a possibilidade contraditória.
Em termos universais, independentemente de ciência/ideologia, religião, menorização psicológica do ato humano, pode haver estruturalmente duas formas paradigmáticas de relacionamento com o ecossistema universal – extensíveis a isso que venham a ser os lugares de uma possível expansão externo-espacial da humanidade –, com a Terra: ou a tratamos como o filho Úrano, que constantemente a violava e mantinha nela, mortos para a liberdade, os frutos de tais atos, usando a Terra como escrava para os nossos mais vis caprichos,
ou tratamos a terra como a branda e persistente chuva, que a penetra amorosamente, tornando-a verde, fértil e generosa, como só Deus, feito fecundo húmus, é.
A forma como tratamos a Terra é a forma como tratamos Deus e os nossos semelhantes. Que sou eu para com eles: mais uma besta depredatória ou mais um suave amante, que se desfaz carinhosa e caridosamente em dom, recebendo como glória todo e cada novo broto, de erva e de carne?
Todo o bem é esplendor do espírito de Deus; todo o mal, a sombra que o meu vício por sobre tal lança.
Deus é o grande ecologista, esse que escreveu o manual definitivo da ecologia. Convém lê-lo e pô-lo em pragmática prática. Não o fazer, é auto-aniquilarse: o que é ecologicamente perfeito, do ponto de vista da economia ecológica. Se dúvidas houver, é escolher, e esperar o resultado.
Está nas nossas mãos, de nós, que recebemos o bem, o manual de instruções e o poder de administrar tal bem. Não será o «dono da vinha» que virá cuidar dela por nós.
Repetimos, está nas nossas mãos.


Américo Pereira 
Universidade Católica Portuguesa, Faculdade de Ciências Humanas 
Publicado em 08.09.2015
Fonte:Pastoral da Cultura

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