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quarta-feira, 31 de agosto de 2016

OS AUTORES MORREM E ATÉ SE ESQUECEM! AS OBRAS FICAM E TORNAM-SE IMORTAIS!

Jornal do Vaticano recorda os Beatles e os 50 anos do álbum "Revolver"

 
Cinquenta anos são uma idade considerável. Normalmente, por volta do meio século, começam a extrair-se alguns balanços e a olhar com certa apreensão para o futuro. Conscientes, porém, de que existe um futuro. O mesmo não se pode dizer de um disco: aos 50 anos, habitualmente, já caiu no esquecimento ou, em chave mais doméstica, em algum baú empoeirado. A este pouco glorioso destino subtraem-se os álbuns dos Beatles, cuja publicação, década após década, não cessa de ser recordada e celebrada com uma miríade de nostálgicas iniciativas.
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Cinquenta anos são uma idade considerável. Normalmente, por volta do meio século, começam a extrair-se alguns balanços e a olhar com certa apreensão para o futuro. Conscientes, porém, de que existe um futuro. O mesmo não se pode dizer de um disco: aos 50 anos, habitualmente, já caiu no esquecimento ou, em chave mais doméstica, em algum baú empoeirado. A este pouco glorioso destino subtraem-se os álbuns dos Beatles, cuja publicação, década após década, não cessa de ser recordada e celebrada com uma miríade de nostálgicas iniciativas. Há poucas semanas, mais precisamente a 5 de junho, rios de tinta e horas de programas de rádio foram dedicados ao 50.º aniversário da saída - apenas no Reino Unido - de "Revolver", sétimo álbum oficial do quarteto britânico.
"Revolver" merece realmente uma atenção particular, e não só porque a "Rolling Stone", a revista mais autorizada entre as especializadas na música pop, o inseriu no terceiro lugar da classificação dos 500 álbuns mais importantes de todos os tempos. O disco, como os amantes dos Beatles bem sabem, marca um ponto de não retorno, que vai além da produção do quarteto. Depois de "Revolver", na música pop, nada mais poderia ser como antes.
Esta marca, que com o álbum seguinte, "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band" (no primeiro lugar na citada classificação da "Rolling Stone"), se torna ainda mais profunda, se não indelével, deve-se essencialmente às opções, verdadeiramente revolucionárias para o tempo, tomadas pelos Beatles e pelo seu genial produtor George Martin. Opções cuja modernidade foi apreciada ao tempo, enquanto na época e durante muitos anos os puristas do rock - uma categoria que infestou verdadeiramente a crítica musical - o classificaram como simples banalidade.
Com efeito é necessária muita atenção e nenhum preconceito para compreender que "Yellow submarine", sexta faixa do disco, não é só uma cançoneta que entra no ouvido, mas uma pequena pedra preciosa visionária, a primeira das muitas que no futuro povoaram o universo dos Beatles. Assim como "Love you to" assinala a entrada oficial de George Harrison naquele mundo musical indiano, até então inexplorado, que graças aos Beatles conheceu depois alguma notoriedade. Para não falar de "Eleanor Rigby", provavelmente o melhor exemplo de uma faixa pop «para quarteto de arcos», ou de "Tomorrow never knows", tema de fecho em que John Lennon começa a manifestar aquele radicalismo, também musical, que se tornará o seu traço distintivo. Na verdade, cada canção de "Revolver" mereceria ser recordada, como também a capa, concebida por Klaus Voorman, baixista e artista alemão, amigo dos Beatles dos dias em que a banda tocava na "Kaiserkeller" de Hamburgo.
Passado o 50.º aniversário de "Revolver" só resta esperar por 2017 para celebrar os 50 anos de "Sgt. Pepper's", e assim por diante até 2020, quando se assinalar o meio século da dissolução do grupo.
Mas porque é que, após todo este tempo, os Beatles suscitam um tal interesse, ao ponto de que cada aniversário é amplamente sublinhado pelos meios de comunicação de todo o mundo? Uma resposta é dada por John McMillian, professor assistente de História na universidade estatal da Geórgia, no livro "Beatles vs. Stones". O autor não quer chegar fora do tempo e reavivar uma polémica mais do que datada. O seu propósito, no fundo, é explicar os motivos de um sucesso e de uma atenção que para os Beatles parecem não ter fim, enquanto outros grupos, como os Stones, vão vivendo, e outros, ainda, foram esquecidos.
Descrevendo as cores de uma "swinging" Londres que arduamente procurava esquecer a treva da guerra, McMillian reconstrói a génese de uma rivalidade que nunca existiu realmente (como demonstram as participações de uns nos projetos de outros) mas foi construída artificialmente por motivos comerciais. Mas sobretudo naqueles anos parecia impossível que uma pessoa de alguma idade pudesse ser um músico rock. O próprio Mick Jagger declarava que nunca poderia ter cantado "Satisfaction" para lá dos 40 anos. Ao contrário, não obstante as muitas rugas e as doenças típicas da terceira idade, Jagger continua a cantar a mesma canção, apoiado por aquilo que resta do seu grupo.
«Os Stones - escreve impiedosamente McMillian - fossilizaram-se numa paródia de si próprios e numa comercialização empurrada». Isto acontece quando não se tem a força de dizer basta ou quando o apelo do dinheiro se torna irresistível. Os Beatles, talvez inconscientemente, enveredaram pelo caminho mais estreito, aquele que aparentemente é mais difícil, mas capaz de preservar intacto o seu mito. Recusando toda a reunião, a custo de declinar ofertas multimilionárias, a banda dos quatro deixou una herança mais sólida. Os Beatles retiraram-se no ápice do sucesso, sem diluir a sua discografia com uma série de discos medíocres. Discos de que hoje ninguém recordaria o aniversário de publicação.




Giuseppe Fiorentino 
In "L'Osservatore Romano", 31.8.2016 
Trad.: Rui Jorge Martins 
Fonte: Pastoral da Cultura-Publicado em 30.08.2016

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