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quinta-feira, 1 de setembro de 2016

NO ABSOLUTO SER ACTO DE AMOR É SER UM COM DEUS PAI NA SUA MORADA SANTA!

Assumir a carne, do nascimento à assunção

 
Que grosseira é a visão que nega a grandeza própria do amor humano: este é a continuidade imediata do amor com que Deus criou o mundo e é, na sua dimensão finita própria, tão divino quanto o de Deus, na sua infinita dimensão. Ordens de grandeza diferentes, mesma essência. A carne verdadeira é todo o bem que tal ato de amor constitui, num absoluto que transcende espaço e tempo e já é, porque é ato de amor e ser ato de amor é ser um com Deus, Céu.
A Festa da Assunção de Maria ao seio de Deus, na sua plenitude humana, isto é, em corpo e alma, põe uma das mais significativas teses acerca da grandeza antropológica de isso que é ser-se propriamente humano. Ao ser assumida na sua humana inteireza, Maria passa a ser o paradigma do que é ser-se humano, simples, mas plenamente humano, em termos da antropologia cristã. Esta realidade humana que é a Mãe de Cristo, divinamente eleita e divinamente convidada a assumir o papel de «theotokos», de matriz metamórfica do puro espírito em humana carne, mas, ainda assim, entidade puramente humana – Maria não é uma deusa ou semideusa, ou avatar divino ou algo que extravase a simplicidade da humanidade enquanto tal (mas humanidade plena, sempre plena) –, pertence ao mundo, ao lugar do movimento, do nascimento, crescimento, humano florescimento e humana continuidade, da decadência e da morte.
Não há ambrósia para Maria. Ou talvez haja, mas diferente de todas as mediações mágicas a que a grande cultura humana estava habituada em suas múltiplas culturas.
Que ambrósia é esta?
É a modelar ambrósia do sim ao absoluto do bem.
Se João, o evangelista, tem razão, e «no princípio era o “logos”», isto é, o próprio absoluto divino como puro espírito, se, de vários modos, o «logos» se fez criador e se metamorfoseou em formas várias de “carne”, tudo com o único fim de proporcionar um lugar para a possibilidade da transformação a si convocada, então, todo o sim que cumpre esta possibilidade de aproximação ao «logos», a Deus, é forma de com ele se partilhar o absoluto que não passa, que não morre: a verdadeira ambrósia.
Os adoradores da ausência preferem o «não» ao sim: de Adão e Eva, aos falsos amigos de Job, passando por todos os que negaram a possibilidade do bem – e somos todos nós, sempre que dizemos «não» a cada possibilidade de bem que de nós depende.
O «não» de Maria teria impossibilitado a aventura que abriu a porta da vida sem fim. Não há «logos» para uma lista de Marias a inquirir até que uma anuísse.
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O «sim» de Maria é decisivo. Nada se lhe compara na história da simples humanidade.
Tal «sim» teve imediatas consequências. Maria foi mãe. Assumiu tal tarefa e levou-a a bom porto. É este o porto da felicidade, como Agostinho compreendeu: atingir a perfeição do bem possível. Sem desculpas ou culpas psicológicas. Tudo feito por amor, amor em que o próprio ser se transforma. Maria é o padrão do amor humano.
Repetimos: Maria é o padrão do amor humano.
Que grosseira é a visão que nega a grandeza própria do amor humano: este é a continuidade imediata do amor com que Deus criou o mundo e é, na sua dimensão finita própria, tão divino quanto o de Deus, na sua infinita dimensão. Ordens de grandeza diferentes, mesma essência.
Eis, de novo, a ambrósia de Maria: o seu amor.
Amor possivelmente infinito por seu filho, a que este mais não fez do que dar a condição de possibilidade de infinitude em atualização: a ambrósia de Maria, agora transformada na água da fonte divina, na fonte bebida.
Nitidamente, o problema não reside em Maria: reside nos que, incapazes de amar, nunca conseguem parir um filho de amor, nunca lhe podem dar do santo leite de sua mama, nunca lhes podem ensinar a ordem correta dos vinhos segundo o amor, nunca os podem chorar em morte injusta, nunca os podem sepultar em esperançosa vigília. Cadáver Cristo? Sim, por umas horas; mas cadáveres todos os que nunca amaram, pois esses nunca conhecerão mais do que a secura eterna de uma vida, mesmo que eterna, em que todo o bem nunca é fruto das suas entranhas, vivendo sempre de uma envergonhada esmola do criador, de infinita generosidade e paciência.
Infinita generosidade a da Menina Maria, que tudo de seu ser pôs ao serviço do bem da humanidade.
Que poderia o «logos» feito carne fazer senão ser digno do «logos» que é e dar a Maria o que prometera a todos, isto é, reconhecer no seu ato a sua própria recompensa e dar à Mãe o que a Mãe merecia?
E que merecia Maria?
Um dom tão grande quanto o que lograra realizar com seu amor.
Em corpo e alma, foi ser para o seio do «logos» o que sempre tivera sido fora do seio do «logos». Apenas a forma da envolvência mudou, passando da forma do tempo à forma da eternidade.
Mas porquê também o corpo?
Maria não era um anjo ou um fantasma: era uma mulher. As mulheres têm corpo, melhor, se forem mesmo dignas da possibilidade de ser o que são, são um corpo: este reúne em si todas as possibilidades e realidades que a mulher é.
Não há como conceber, recebendo em seu ventre Jesus, sem corpo; sem corpo, não é possível parir Jesus; sem corpo não é possível dar a mama a Jesus; ou dar voz a todos os ensinamentos necessários; ou estar junto da cruz; ou vê-lo depois de ressuscitado, pois é preciso olhos para ver.
Que amor por Maria-corpo não terá experimentado Jesus, filho de Mulher, não de fantasma. Amor é o ato de bem para com isso que, assim e só assim, se ama. Então, como não assumir Maria-corpo?
Que belo pensamento é este de haver corpo, carne, junto do «logos». Mas, como não? Não «subiu Cristo ao Céu»? Não foi Cristo Cristo-carne? Então, na sua completude de irradiante plenitude divina-humana, não assumiu Cristo a sua carne «ao Céu»? Não? Então deixou-a onde?
As barreiras de espaço e tempo – que amamos em vez de amarmos Deus – cegam-nos para o essencial, que é a grandeza ontológica do ato supremo como ato de amor. A carne verdadeira é todo o bem que tal ato de amor constitui, num absoluto que transcende espaço e tempo e já é, porque é ato de amor e ser ato de amor é ser um com Deus, Céu.
Céu feito da carne da concretude de cada nosso ato de amor.
Assim Cristo; assim Maria, ambos paradigmaticamente; assim cada um de nós, na possibilidade de sequência do paradigma.
Maria assumida ao «logos» em corpo e alma desmente, porque anula, toda a antropologia que nega a grandeza do corpo humano. Em termos cristãos, tudo o que negar a grandeza da humana carne, como vivida em e por Cristo e em e por Maria, tão de carne quanto qualquer um de nós, é simplesmente blasfemo, pois, imediatamente põe em causa a grandeza ontológica positiva da carne de Cristo e de Maria.
Não, Cristo-Homem-Deus não se enganou ao assumir sua Mãe em sua humana inteireza: isso a que se chama negatividade da carne mais não é do que a minha maldade, impotente e incapaz de se assumir como a força diabólica que tudo corrompe, quando, em vez de, como Maria, dizer sim ao bem, faz outra coisa qualquer.
Mas isso não é carne, isso é a besta e a besta sou eu quando assim sou.
Ao criar o mundo, Deus não se absteve de mostrar o que é o absoluto do prazer como ato espiritual de contemplação do bem, proclamando a beleza de cada ato criador, nas criaturas. Absoluto prazer espiritual. Assim sendo, que prazer espiritual não tem Deus ao contemplar esta parte do oitavo dia, em sua perfeição, que é Maria, já sem a ganga do espaço e do tempo?
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Em alma e corpo, eu te saúdo, Maria.
 A Igreja católica evoca o nascimento da Virgem a 8 de setembro e a sua assunção a 15 de agosto.
 Américo Pereira-Universidade Católica Portuguesa, Faculdade de Ciências Humanas 
Fonte: Pastoral da Cultura-Publicado em 31.08.2016

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