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quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

OS SEGREDOS DA TÉCNICA DESVENDAM OS SEGREDOS DO PASSADO

Documentos carbonizados há quase 2000 anos foram “lidos” pela primeira vez

Os rolos de papiro de Herculano, queimados e esmagados durante a erupção do Vesúvio que também destruiu Pompeia, poderão finalmente revelar os seus segredos.
          Uma equipa internacional de cientistas acaba de realizar uma autêntica façanha, decifrando, pela primeira vez, algumas sequências de letras e fragmentos de palavras contidas em rolos de papiro calcinado – algo até aqui considerado tecnicamente impossível. Os resultados abrem o caminho à leitura de textos antigos dos quais não existem cópias, com o potencial de “melhorar o nosso conhecimento da literatura e da filosofia da Grécia antiga”, escrevem os autores num artigo publicado terça-feira na revista Nature Communications                                      

Os papiros estão em muito mau estado – como é fácil imaginar, considerando que foram soterrados por toneladas de cinzas vulcânicas ardentes. Vistos de fora, parecem bocados de carvão. E são também extremamente frágeis: não admira portanto que as tentativas que têm sido feitas ao longo de quase três séculos para os desenrolar se tenham saldado, essencialmente, pela sua destruição pura e simples, levando os especialistas a desistir dessa via.
O que Daniel Delattre, do Instituto de Investigação e de História dos Textos, em Paris, e colegas em França e Itália conseguiram agora fazer foi justamente mostrar que é possível ler estes manuscritos sem quase lhes mexer.
A própria natureza do material dos papiros e da tinta utilizada conspiram para aumentar a dificuldade da leitura dos papiros pelas mais avançadas técnicas não invasivas de obtenção de imagens, nomeadamente utilizando raios X.
Os raios X são mais ou menos absorvidos pelos materiais que atravessam – e é esse contraste que é explorado para visualizar o interior do corpo humano através da tomografia computadorizada de raios X. E nos últimos anos, tem surgido uma variante dessa técnica – dita de tomografia de raios X por contraste de fase – que é muito mais eficaz do que a primeira na visualização em pormenor das estruturas dos tecidos moles do organismo, que absorvem menos radiação. Os autores do estudo pensaram que esta técnica poderia aplicar-se aos papiros de Herculano.
Porquê? Porque a fibra vegetal carbonizada dos papiros e a tinta de carvão utilizada na antiguidade são materiais demasiado semelhantes – e o contraste gerado pela absorção dos raios X é insuficiente para os distinguir. A técnica por eles utilizada aproveita de facto um outro tipo de diferença que pode ser detectada iluminando uma amostra com raios X: o facto de estes raios serem desviados de maneira diferente quando atravessam os diversos componentes do material em causa, independentemente da sua composição química.
Todavia, essa técnica não poderia funcionar se os diversos componentes estivessem misturados – ou seja, se a tinta tivesse sido absorvida pelas fibras do papiro. Mas neste aspecto, os cientistas foram “ajudados” pelas características dos documentos em causa: a tinta de carvão não penetrava nas fibras de papiro, explicam os autores, o que fazia com que as letras ficassem como que pousadas no suporte vegetal. E foi precisamente esse ligeiríssimo relevo (da ordem dos 100 milésimos de milímetro!) que permitiu detectar as diferenças de fase dos raios X com o poderoso feixe gerado pelo ERSF – Sincrotrão Europeu, em Grenoble (que permite uma resolução precisamente dessa ordem). “As letras observadas no papiro, que têm dois a três milímetros, são completamente reveladas pelo processo de visualização”, escreve a equipa no seu artigo.
Mesmo assim, dado o comprimento da folha de papiro (até 15 metros), a espessura ínfima de cada camada enrolada e o tamanho das letras – mais o facto de o esmagamento dos papiros ter sem dúvida distorcido a escrita –, nada garantia o resultado.
Mas a experiência foi um sucesso: numa amostra de um papiro de Herculano enrolado, os cientistas conseguiram detectar todas as letras (menos duas) do alfabeto grego. E até sequências de letras que poderão ser palavras que significam “cairia” ou “diria”.
“Vitória! Conseguimos ver as letras! Vemos letras gregas distorcidas! Hurra! Incrível! ”, lembra-se ter exclamado Daniel Delattre (citado num comunicado) quando viu surgir as letras pela primeira vez.

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