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terça-feira, 17 de março de 2015

A OVELHA PERDIDA! - ÉS TU E SOU EU...

Qual é esse mistério, que faz com que um possa valer noventa e nove?


 «E Ele enunciou esta parábola, dizendo:
Que homem entre vós, que possuindo cem ovelhas;»
(Isto segundo São Lucas):
«Se uma delas se perdeu.
 Não entrega (não deixa) as noventa e nove no deserto,
E não vai procurá-la»,
"Quae perierat", que estava perdida, que se tinha perdido,
Assim mesmo. «Até encontrá-la?
E quando a encontrou,
Colocou-a aos ombros, regozijando-se;»
(Deitou-a) sobre os seus ombros.
«E regressando a casa, convoca (chama) os amigos
e vizinhos, dizendo-lhes:
Regozijai-vos (felicitai-vos) comigo, porque encontrei
a ovelha que estava perdida!
E em verdade vos digo
Que haverá mais alegria no céu
Quando um pecador faz penitência,
Que em noventa e nove justos que dela não precisam.»
Mas o que é a penitência, meu filho, o que há na penitência?
O que existe nessa virtude secreta que é a penitência?
É algo de singular, de estranho, meu filho, de inquietante.
Mas o que há de extraordinário na penitência?
Porque é inquietante?
O que tem essa virtude, esse segredo
o que há nela que a torna tão extraordinária?
E tanto, para que um pecador, um só, valha cem,
ou pelo menos, noventa e nove
(Se contarmos direito).
Para que um pecador valha tanto,
Para que esse pecador, esse pecador único que faz penitência
valha tanto, faça regozijar, provoque tanta alegria
no céu como noventa e nove justos
que não precisam de penitência.
E para que essa ovelha perdida dê tanta alegria ao seu pastor,
Ao bom pastor que o leva a deixar no deserto, "in deserto",
em lugar abandonado,
As noventa e nove que não se tinham perdido.



 Em que consiste, qual é esse mistério,
Que faz com que um possa valer noventa e nove?
Todos somos filhos de Deus. No mesmo pé de igualdade.
Portanto, como, porquê, uma ovelha vale tanto como
noventa e nove ovelhas?
Sobretudo «aquela que se perdeu» e que passa a valer tanto como
as outras noventa e nove que não se tinham perdido.
Porquê, que mistério é este, que segredo,
parece até suspeito, como, porquê,
em que é que uma alma pode valer mais
que noventa e nove almas, é estranho.
É pelo menos estranho, quando pensamos nisso.
Há aqui uma qualquer manigância.
Pois é precisamente essa alma que se perdeu, que se eclipsara,
que vale tanto, que dá tanta alegria ao céu como as outras
noventa e nove.
Tanto como as noventa e nove que não desapareceram.
Nunca!
Que não se perderam, que não desapareceram.
Nunca!
Que se mantiveram firmes.
É injusto. Mas que história é esta, afinal, que nova invenção?
É injusto. Eis portanto uma alma (justamente a que se perdeu)
que vale tanto, que conta tanto, que dá tanta alegria
como as noventa e nove infelizes que se mantiveram quietas
e nunca se afastaram.
Porquê; em quê; e como? Eis um que pesa tanto
na balança de Deus como noventa e nove.
Que pesa tanto? Talvez pese até mais! Em segredo.
Nunca se sabe. Secretamente fica-se com a impressão
de que ele pesa mais, ao lermos esta parábola.
Vejamos: existe um pecador que pesa pelo menos tanto
como noventa e nove justos.
Que pesa talvez mais. Nunca se sabe.
Quando entramos no campo das injustiças
não sabemos onde vamos parar.
Pronunciemos a palavra, eis aqui um infiel, essa é a verdade,
não devemos ter medo da palavra.
Que vale mais que cem, que noventa e nove fiéis.
Mas que mistério é este?
Que virtude tão extraordinária é a penitência?
Que vale cem vezes mais que a fidelidade?
Mas não vamos falar disso. Sabemos muito bem
o que é a penitência.
Um penitente é um senhor que não se sente
muito orgulhoso de si.
Que não se sente muito orgulhoso do que faz.
Porque o que ele fez, é preciso dizê-lo, é pecado.
Um penitente é um senhor que tem vergonha de si próprio
e dos seus pecados.
Vergonha daquilo que fez.
Que gostaria até de se enfiar pelo chão abaixo.
Sobretudo gostaria de não ter feito o que fez.
Nunca!
De esconder-se. De não ter de enfrentar o rosto de Deus.
E porque é que uma dracma que vale nove dracmas,
ela por si só tem a ver com tudo isto?
Ela é como esta criatura, esta e nenhuma outra, é esta ovelha,
é este pecador, é este penitente, é esta alma
Que Deus, que Jesus transporta sobre os ombros,
abandonando as outras.
Enfim, quero eu dizer (apenas), deixando-as todo esse tempo
entregues a si próprias.
A penitência, sabemo-lo, não é coisa assim de realçar.
Não tem nada de brilhante.
(É verdade que Deus não abandona ninguém.)
É um sentimento vergonhoso, ou seja, de vergonha.
Duma vergonha legítima e devida.
Em suma, é um ato vergonhoso.
Mas a penitência não é assim tão maléfica.
Então, em que ficamos?
Não só o penitente vale tanto como um outro,
não só vale tanto como um justo,
o que seria já um pouco duro.
Mas ele vale até noventa e nove, vale cem,
vale o rebanho inteiro.
Poder-se-á dizer.
Em última instância, vemos que ele valerá mais
e a amá-lo-ão mais
No secreto do coração.
No secreto coração eterno.
Porquê?
Meu filho, meu filho, tu sabes, tu sabes bem porquê.



 Ele é a ovelha.
A que estava perdida; e foi encontrada.
A que estava morta; e foi recuperada.
A que estava morta; e ressuscitou.
Porque é preciso tomar tudo ao pé da letra, meu filho.
Literalmente, assim como Jesus morreu e ressuscitou
dos mortos,
Também essa ovelha perdida, também essa ovelha estava morta.
Também essa alma estava morta e da sua própria morte, ressuscitou dos mortos.
Charles Péguy In "Os portais do mistério da segunda virtude", ed. Paulinas
Publicado em 16.03.2015
    

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