Questões sobre o aborto - "Aqui mando eu”
Alguns exemplos bem práticos para saber se você "manda mesmo" naquilo que acha que é "só seu"!
Com monótona repetição, como um ex-libris da causa a favor da descriminalização do aborto, são mostradas fotografias de barrigas de mulheres com as palavras: "Aqui mando eu!"
20.07.2015
Pe. João Paulo Pimentel (4)
Creative Commons
Com monótona repetição, como um ex-libris da causa a favor da descriminalização do aborto, são mostradas fotografias de barrigas de mulheres com as palavras: "Aqui mando eu!".
Parece uma afirmação inquestionável. É interessante mostrar em que princípio se apoia e a que consequências tal princípio pode levar. A moral não está feita de sentenças isoladas: os mesmos princípios morais devem estar na base das nossas diversas actuações, pois, se assim não acontecer, tornamo-nos pessoas ou moralmente "esquizofrénicas" ou sem princípios. Defendo que ter como incondicional o princípio do “aqui (no meu corpo) mando eu” é simplesmente um erro.
Parece uma afirmação inquestionável. É interessante mostrar em que princípio se apoia e a que consequências tal princípio pode levar. A moral não está feita de sentenças isoladas: os mesmos princípios morais devem estar na base das nossas diversas actuações, pois, se assim não acontecer, tornamo-nos pessoas ou moralmente "esquizofrénicas" ou sem princípios. Defendo que ter como incondicional o princípio do “aqui (no meu corpo) mando eu” é simplesmente um erro.
1) Consideremos que a mulher queira dizer com essa frase que o embrião é apenas uma parte do seu corpo.
Mesmo se assim fosse (que não é), o argumento seria válido? Vejam bem como alguns exemplos mostram que a resposta é negativa:
Um homem chega a um médico e diz: "Estou farto de ver. Os olhos são meus e aqui, nos meus olhos, mando eu. Por favor, pode tornar-me cego?". Se o médico acedesse ao seu pedido, como actuará a Justiça? O então cego será tido por maluco, mas porventura o médico será inocente?
Uma mulher saudável e com sentimentos generosos chega a um consultório e pede ao médico: "Por favor, tire-me os dois rins para doação, pois ambos são meus e aqui mando eu. Não me importo de passar a vida com hemodiálise". Se o médico proceder à operação, a mulher não será condenada por insensatez. Mas receberá louvores o médico por ter acedido àquele pedido?
Mesmo com exemplos que afectam apenas o corpo (e não uma nova vida), percebe-se que não se deve interpretar o ”aqui mando eu” como um salvo-conduto para toda e qualquer actuação sobre os próprios órgãos e que se deve pedir à sociedade e à Justiça que actuem sobre quem fosse cúmplice de um tresloucado dador.
2) Mas consideremos agora que a mulher "sabe" que o embrião é alguém diferente dela e que o que pretende significar com o “aqui mando eu” é que, enquanto estiver dentro dela, a mulher é dona absoluta da criança e do seu destino.
A frase também é falsa. Permitam-me novos exemplos:
Uma mulher grávida vai ao médico e desabafa: "Já tenho 3 filhos saudáveis. Quem me dera ter uma criança deficiente, para exteriorizar os meus sentimentos de altruísmo sacrificado; por favor, dê-me um medicamento que altere o desenvolvimento normal do meu filho; não se esqueça de que aqui mando eu". Se o médico atender o pedido, não deverá ser julgado e castigado? E que fará a Justiça com a mãe? Ou vai para tratamento psiquiátrico ou será igualmente condenada.
Passemos a casos mais reais. Uma mãe pode com legitimidade dizer: "Estes filhos, de 2 e 3 anos, são meus. E como na minha casa mandamos eu e o meu marido (verdade inquestionável), posso espancar os meus filhos para os educar". Neste caso de violência doméstica, a Justiça não terá uma palavra a dizer?
Os exemplos poderiam suceder-se, mas penso que se torna patente que sim, “aqui mando eu”, mas nem sozinha, nem sempre e não de qualquer maneira. A afirmação não é tão inquestionável quanto parece.
Além do mais, na maioria dos países onde o aborto é legal, o "aqui mando eu" aplicado ao nascituro deixa de ser reconhecido a partir de certa idade da criança.
Além do mais, na maioria dos países onde o aborto é legal, o "aqui mando eu" aplicado ao nascituro deixa de ser reconhecido a partir de certa idade da criança.
Portanto, se não é o "lugar" que dá à mulher um domínio absoluto sobre a criança, o que será então? Por que é que até aos 14 meses (ou quantos forem) manda ela e depois não? A questão acabará sempre por se orientar para o estatuto ontológico do embrião: se for "alguém", não se pode tocar nunca; se for "algo", admitirá excepções. No entanto, a mínima dúvida sobre a entidade do embrião (para quem não souber ainda que se trata de "alguém") deveria ser suficiente para não se arriscar a matar ou deixar matar uma pessoa.
Curiosamente, o "aqui mando eu" é absolutamente verdadeiro em sentido inverso ao usado pelos defensores do aborto quando o que a mulher quer dizer é que ninguém pode matar o seu filho ou fazer-lhe mal. As tais fotografias teriam sido muito úteis na China, por exemplo, nas décadas passadas, quando as mulheres com mais de um filho eram obrigadas a abortar. Realmente, de uma mãe espera-se que tenha consciência da missão gigantesca que tem por diante: o seu ventre deve ser a fortaleza inexpugnável contra todas as ameaças ao bebé. Usar o "aqui mando eu" em sentido perverso – eu, mãe, sou a ameaça para o meu bebé –, além de irracional, deveria chocar-nos a todos.
Mas por que razão deverá uma lei interferir na decisão da mulher? Penso que os exemplos dados atrás sugerem a resposta: nem todas as decisões pessoais são boas e algumas têm uma incidência social notável.
Na questão da descriminalização do aborto, enfrentam-se duas atitudes inconciliáveis: por um lado, a de quem estima que a liberdade pessoal não paga nunca tributo a ninguém. São os que se negam a entender que certas opções pessoais afectam a própria sociedade: para esses, não há bem nem mal nesse tipo de opções ou, se há, fica subordinado à mera capacidade de escolha, valor supremo e intocável. Assim, só seria um mal o que limitasse a possibilidade de escolher. Claro que os defensores de tal tese terão dificuldade em explicar por que razão o Estado alemão condenou o canibal de Fulda, um homem que “apenas” comeu alguém que, voluntariamente, se apresentou para essa explícita finalidade (ser comido), proposta abertamente num site da internet.
Do outro lado, encontramos a atitude de quem pensa que a liberdade é responsável pelas suas opções, que muitas vezes tem de se justificar perante terceiros e que, nalguns casos, a sociedade pode e deve orientar para o bem da própria pessoa e da sociedade essa liberdade, pois ela própria - a liberdade -, no seu exercício, não é infalível. E é preferível balizar as opções de escolha para que a pessoa não opte por comportamentos que transformem a sua liberdade num tirano cruel e insensível.
As leis anti-aborto são dissuasoras, mas são, além disso, muito pedagógicas, pois recordam que o novo ser é também um novo cidadão (mesmo que com direitos incipientes). E recordam igualmente que a mulher é a primeira responsável pelo bem da criança. Ao mesmo tempo, essas leis (onde ainda existem) protegem a mulher de pressões externas de todo o tipo: dos pais, do namorado ou marido, dos patrões despóticos, de mexericos, etc.
Mas por que razão deverá uma lei interferir na decisão da mulher? Penso que os exemplos dados atrás sugerem a resposta: nem todas as decisões pessoais são boas e algumas têm uma incidência social notável.
Na questão da descriminalização do aborto, enfrentam-se duas atitudes inconciliáveis: por um lado, a de quem estima que a liberdade pessoal não paga nunca tributo a ninguém. São os que se negam a entender que certas opções pessoais afectam a própria sociedade: para esses, não há bem nem mal nesse tipo de opções ou, se há, fica subordinado à mera capacidade de escolha, valor supremo e intocável. Assim, só seria um mal o que limitasse a possibilidade de escolher. Claro que os defensores de tal tese terão dificuldade em explicar por que razão o Estado alemão condenou o canibal de Fulda, um homem que “apenas” comeu alguém que, voluntariamente, se apresentou para essa explícita finalidade (ser comido), proposta abertamente num site da internet.
Do outro lado, encontramos a atitude de quem pensa que a liberdade é responsável pelas suas opções, que muitas vezes tem de se justificar perante terceiros e que, nalguns casos, a sociedade pode e deve orientar para o bem da própria pessoa e da sociedade essa liberdade, pois ela própria - a liberdade -, no seu exercício, não é infalível. E é preferível balizar as opções de escolha para que a pessoa não opte por comportamentos que transformem a sua liberdade num tirano cruel e insensível.
As leis anti-aborto são dissuasoras, mas são, além disso, muito pedagógicas, pois recordam que o novo ser é também um novo cidadão (mesmo que com direitos incipientes). E recordam igualmente que a mulher é a primeira responsável pelo bem da criança. Ao mesmo tempo, essas leis (onde ainda existem) protegem a mulher de pressões externas de todo o tipo: dos pais, do namorado ou marido, dos patrões despóticos, de mexericos, etc.
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