O outono da vida
«Brancas estão as minhas têmporas, calva é a cabeça. Desvaneceu-se a doce juventude e destroçados estão os dentes. Da minha vida feliz só me resta a recordação do seu tempo breve. Muitas vezes me lamento pelo medo dos infernos. Tremendo é o abismo do Hades e inexorável a sua descida» (Anacreonte).
Cada um de nós tem uma estação que ama. Eu prefiro o outono, com as suas cores ténues e iridescentes, delicadas e serenas como o clima que o envolve. Memoráveis eram para mim as festas que encerravam as vindimas em Roma, quando, jovem, lá estudava teologia.
Devo, porém, reconhecer que muitas vezes o outono é comparado a uma estação da vida que nos nossos tempos é muito menos amada e respeitada que no passado, o da velhice. E é precisamente um ancião a testemunhar com realismo que a terceira idade é um crepúsculo destinado a conduzir-nos ao inverno que é morte.
Com efeito, os versos acima citados pertencem às "Odes" do poeta grego Anacreonte (VI-V séc. a.C.), irónico e determinado a não esconder a vicissitude frágil e infeliz da senilidade.
Também na Bíblia, outro ancião, Qohèlet, oferece-nos no capítulo 12 do seu livro um retrato expressivo da pessoa velha, tratando-a sob a imagem de um castelo decadente e desolado.
Todavia, como para o outono, há sinais de fascínio e de beleza mesmo nesta fase da existência, e sobretudo uma lição de vida a oferecer. É ridículo tentar vestir-se como a primavera, ou seja, imitando os jovens, ou querendo estar em pleno verão, como se fossemos os adultos maduros e eficientes de ontem.
Pelo contrário, é preciso ser-se quem se é, capaz de reflexão e de quietude, pronto a acolher e a viver esta estação ténue e delicada.
P. (Card.) Gianfranco Ravasi
Trad. / adapt.: Rui Jorge Martins
Publicado em 22.09.2015
Fonte: Pastoral da cultura
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